PREPARAÇÃO PARA A VIDA ADULTA DE JOVENS NO PROCESSO DE SAÍDA DO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL

Luísa Anzolin Melo
Sheila Gonçalves Câmara

Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Brasil.

Resumo

O proces­so de acol­hi­men­to insti­tu­cional é uma alter­na­ti­va para cri­anças e ado­les­centes em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade, tor­nan­do-se impor­tante avaliar o poten­cial dessas insti­tu­ições para o desen­volvi­men­to pos­i­ti­vo na juven­tude (DPJ) e sua per­cepção de preparação para a vida (PPVA) no proces­so de saí­da. O pre­sente estu­do obser­va­cional, analíti­co, de corte trans­ver­sal, teve como obje­ti­vo tes­tar o efeito medi­ador do DPJ na relação pred­i­ti­va de aspec­tos ref­er­entes ao con­tex­to de acol­hi­men­to sobre a PPVA entre jovens no proces­so de saí­da de insti­tu­ições de acol­hi­men­to. A amostra foi con­sti­tuí­da por 107 par­tic­i­pantes, que respon­der­am a um ques­tionário com­pos­to de oito blo­cos temáti­cos: inquéri­to de infor­mações sociode­mográ­fi­cas, rela­ciona­men­tos, exper­iên­cia esco­lar, situ­ação finan­ceira, qual­i­dade de vida perce­bi­da, per­cepção de preparação para a vida adul­ta, bem-estar mul­ti­di­men­sion­al e desen­volvi­men­to pos­i­ti­vo na Juven­tude. Os resul­ta­dos apon­taram que o DPJ medeia a relação entre as var­iáveis exper­iên­cia esco­lar, per­cepção da qual­i­dade de vida e bem-estar mul­ti­di­men­sion­al e PPVA, poten­cial­izan­do o efeito pos­i­ti­vo destas var­iáveis. Estes acha­dos podem sub­sidiar inter­venções a fim de mel­ho­rar as condições de acol­hi­men­to em prol de um mel­hor desen­volvi­men­to juve­nil, espe­cial­mente no que tange a sua per­cepção de preparação para a vida adulta.

Palavras-chave: Saúde do ado­les­cente; Saúde do ado­les­cente insti­tu­cional­iza­do; Bem-estar; Desen­volvi­men­to pos­i­ti­vo na juven­tude; Desinstitucionalização

Resumen

El acogimien­to insti­tu­cional es una alter­na­ti­va para niños y ado­les­centes en situación de vul­ner­a­bil­i­dad, por lo que es fun­da­men­tal eval­u­ar su poten­cial para pro­mover el Desar­rol­lo Pos­i­ti­vo Juve­nil (DPJ) y la Per­cep­ción de Preparación para la Vida Adul­ta (PPVA) durante el pro­ce­so de sal­i­da. Este estu­dio obser­va­cional, analíti­co y trans­ver­sal tuvo como obje­ti­vo exam­i­nar el efec­to medi­ador del DPJ en la relación pre­dic­ti­va entre aspec­tos del con­tex­to de acogimien­to y la PPVA en jóvenes en tran­si­ción hacia la vida inde­pen­di­ente. La mues­tra incluyó 107 par­tic­i­pantes, quienes respondieron un cues­tionario estruc­tura­do en ocho blo­ques temáti­cos: datos sociode­mográ­fi­cos, rela­ciones, expe­ri­en­cia esco­lar, situación financiera, cal­i­dad de vida percibi­da, per­cep­ción de preparación para la vida adul­ta, bien­es­tar mul­ti­di­men­sion­al y Desar­rol­lo Pos­i­ti­vo Juve­nil. Los resul­ta­dos mostraron que el DPJ media la relación entre la expe­ri­en­cia esco­lar, la cal­i­dad de vida percibi­da, el bien­es­tar mul­ti­di­men­sion­al y la PPVA, poten­cian­do el efec­to pos­i­ti­vo de estas vari­ables. Estos hal­laz­gos pueden ori­en­tar inter­ven­ciones para mejo­rar las condi­ciones de acogimien­to y favore­cer un desar­rol­lo juve­nil más inte­gral, espe­cial­mente en lo que respec­ta a la preparación para la vida adulta.

Pal­abras clave: Salud del ado­les­cente; Salud del ado­les­cente insti­tu­cional­iza­do; Bien­es­tar; Desar­rol­lo pos­i­ti­vo juve­nil; Desinstitucionalización

Abstract

Insti­tu­tion­al care serves as an alter­na­tive for chil­dren and ado­les­cents in vul­ner­a­ble sit­u­a­tions, mak­ing it essen­tial to assess its poten­tial for fos­ter­ing Pos­i­tive Youth Devel­op­ment (PYD) and their Per­ceived Prepa­ra­tion for Adult Life (PPAL) dur­ing the tran­si­tion out of care. This cross-sec­tion­al, ana­lyt­i­cal, obser­va­tion­al study aimed to test the medi­at­ing effect of PYD on the pre­dic­tive rela­tion­ship between insti­tu­tion­al care con­text vari­ables and PPAL among youth exit­ing care insti­tu­tions. The sam­ple con­sist­ed of 107 par­tic­i­pants, who com­plet­ed a ques­tion­naire cov­er­ing eight the­mat­ic blocks: sociode­mo­graph­ic data, rela­tion­ships, school expe­ri­ence, finan­cial sit­u­a­tion, per­ceived qual­i­ty of life, per­ceived prepa­ra­tion for adult­hood, mul­ti­di­men­sion­al well-being, and Pos­i­tive Youth Devel­op­ment. Results indi­cat­ed that PYD medi­ates the rela­tion­ship between school expe­ri­ence, per­ceived qual­i­ty of life, mul­ti­di­men­sion­al well-being, and PPAL, enhanc­ing the pos­i­tive effect of these vari­ables. These find­ings can inform inter­ven­tions to improve care con­di­tions and pro­mote youth devel­op­ment, par­tic­u­lar­ly in strength­en­ing their readi­ness for adult life.

Key­words: Ado­les­cent health; Insti­tu­tion­al­ized ado­les­cent health; Well-being; Pos­i­tive Youth Devel­op­ment; Deinstitutionalization

INTRODUÇÃO

Esti­ma-se que, em 2017, em nív­el mundi­al, 140 mil­hões de cri­anças vivi­am em acol­hi­men­to insti­tu­cional ou famil­iar (Petrows­ki et al., 2017; Fun­do das Nações Unidas para a Infân­cia [UNICEF], 2017), muitas per­manecen­do ali durante anos ou por toda infância/adolescência (Desmond et al., 2020). Dados da UNICEF (2025) indicam que, na Améri­ca Lati­na e Caribe, o tem­po médio de per­manên­cia em insti­tu­ições de acol­hi­men­to tem sido de 10 anos. No Brasil, a insti­tu­cional­iza­ção de ado­les­centes menores de 18 anos, de acor­do com a lei, deve ter um caráter tran­sitório e excep­cional, não deven­do durar mais de 18 meses (Brasil, 2017).

De fato, o proces­so de afas­ta­men­to da família e insti­tu­cional­iza­ção de cri­anças e ado­les­centes con­siste em um recur­so últi­mo para que o Esta­do pos­sa garan­tir pro­teção e cuida­do em face de vio­lação dos dire­itos dessas pes­soas. Os princí­pios que ori­en­tam essa medi­da são: excep­cional­i­dade, pro­vi­soriedade, mel­hor inter­esse da cri­ança ou ado­les­cente e revisão per­iódi­ca, de maneira a não pro­lon­gar, desnec­es­sari­a­mente, o proces­so de insti­tu­cional­iza­ção (Orga­ni­za­ção das Nações Unidas [ONU], 1989). Porém, há pes­soas que pas­sam toda ou grande parte da sua infân­cia e/ou ado­lescên­cia em situ­ação de acol­hi­men­to (Desmond et al., 2020).

Com a chega­da da maior­i­dade, a saí­da do sis­tema é com­pul­sória (Estatu­to da Cri­ança e do Ado­les­cente [ECA], 1990). Assim, a cada ano, um con­tin­gente de jovens que cumpre 18 anos pre­cisa sair do sis­tema de pro­teção e encon­trar uma maneira de viv­er sua vida de for­ma autôno­ma. Os prin­ci­pais desafios na tran­sição para a vida adul­ta incluem qual­i­fi­cação acadêmi­ca, esta­bil­i­dade finan­ceira e habita­cional, con­strução de rela­ciona­men­tos e aces­so a serviços de saúde (Häg­gman-Laiti­la et al., 2018). A per­cepção de preparação para a vida adul­ta é molda­da pelas exper­iên­cias pas­sadas de vul­ner­a­bil­i­dade, forças pes­soais, níveis de apoio rece­bido, pos­síveis des­fe­chos prob­lemáti­cos e os desafios enfrenta­dos para a autossu­fi­ciên­cia (Court­ney et al., 2012; Keller et al., 2007).

De acor­do com a OMS (2014), a ado­lescên­cia vai dos 10 aos 19 anos; na leg­is­lação brasileira, é com­preen­di­da entre os 12 e os 18 anos (ECA, 1990). Em décadas ante­ri­ores, o mar­co etário de 18 anos, para a adul­tez, cor­re­spon­dia à per­cepção dos jovens. A par­tir da segun­da metade do sécu­lo XX, a ado­lescên­cia como fenô­meno cul­tur­al, tem se pro­lon­ga­do e, ao cumprir a maior­i­dade, os ado­les­centes viven­ci­am o sen­ti­men­to de inex­per­iên­cia para uma nova condição de vida (Arnett et al., 2014; Rib­ar & Wong, 2022). O proces­so de tran­sição para a vida adul­ta con­siste em uma tare­fa cen­tral do ciclo de vida, rep­re­sen­tan­do múlti­p­los desafios que são ele­mentares para o desen­volvi­men­to pes­soal e social (Cro­cetti et al., 2016).

A preparação para a vida adul­ta (PPVA) con­siste na capaci­dade de trans­fer­ên­cia das habil­i­dades de vida adquiri­das durante o desen­volvi­men­to para out­ro con­tex­to (Tan­ious et al., 2023). No caso, se ref­ere à capaci­dade adap­ta­ti­va de um indi­ví­duo em enga­jar-se de for­ma sat­is­fatória e sig­ni­fica­ti­va nas deman­das e inter­ações quo­tid­i­anas dos múlti­p­los con­tex­tos de desen­volvi­men­to, incluin­do os ambi­entes acadêmi­co, profis­sion­al, domés­ti­co e comu­nitário (Camiré, 2022). Quan­do os ado­les­centes se sen­tem prepara­dos, demon­stram maior con­fi­ança para lidar com respon­s­abil­i­dades cotid­i­anas, bus­car opor­tu­nidades edu­ca­cionais e esta­b­ele­cer vín­cu­los soci­ais sig­ni­fica­tivos (Ban­dura, 1997; Lern­er et al., 2011). Por out­ro lado, uma per­cepção de despreparo pode inten­si­ficar sen­ti­men­tos de inse­gu­rança, aban­dono e vul­ner­a­bil­i­dade, difi­cul­tan­do a con­strução de pro­je­tos de vida real­is­tas e sus­ten­táveis (Mendes, 2014).

O desen­volvi­men­to dos ado­les­centes inseri­dos no sis­tema de pro­teção ocorre em insti­tu­ições que cos­tu­mam apre­sen­tar estru­turas ade­quadas e pro­por­cionar condições de mora­dia pos­i­ti­vas, tor­nan­do a real­i­dade bem difer­ente da que viven­cia­ram com suas famílias de origem (Car­val­ho et al., 2020; Montser­rat et al., 2020). Nas insti­tu­ições de acol­hi­men­to (IAs), os ado­les­centes apren­dem sobre ativi­dades cotid­i­anas de casa e de orga­ni­za­ção pes­soal, além de serem incluí­dos em ativi­dades extracur­ric­u­lares e/ou profis­sion­al­izantes para o desen­volvi­men­to de habil­i­dades e autono­mia (Maia, 2022).

As múlti­plas con­tingên­cias que lev­am à insti­tu­cional­iza­ção, bem como a for­ma de fun­ciona­men­to das IAs e seu lugar na estru­tu­ra social, evi­den­ci­am o papel fun­da­men­tal da sociedade e das comu­nidades no desen­volvi­men­to dos ado­les­centes acol­hi­dos (Comitê dos Dire­itos da Cri­ança das Nações Unidas [DPJ], 2021; UNICEF, 2019). O DPJ rep­re­sen­ta uma abor­dagem pró-social que com­preende os jovens em sua relação com seus con­tex­tos sig­ni­fica­tivos de vida de for­ma pro­du­ti­va e con­stru­ti­va. Con­sid­era que essas relações prop­i­ci­am condições para que os jovens pros­perem, partin­do da pre­mis­sa de que ess­es pos­suem capaci­dade de adap­tação e flex­i­bil­i­dade frente às adver­si­dades (Hamil­ton et al., 2004), bem como níveis sat­is­fatórios de bem-estar (Viejo et al., 2018). Esse desen­volvi­men­to abar­ca cidada­nia e socia­bil­i­dade, com­preen­são cul­tur­al, desen­volvi­men­to int­elec­tu­al e esco­lar­i­dade e empre­ga­bil­i­dade. Con­tribui, tam­bém, para esti­los de vida saudáveis e a saúde emo­cional, incidin­do no bem-estar em difer­entes áreas da vida dos ado­les­centes (Ma et al., 2024).

Con­forme pro­pos­to pelos mod­e­los teóri­cos con­tem­porâ­neos, o bem-estar é com­preen­di­do como uma con­strução dinâmi­ca resul­tante da inter­ação entre o indi­ví­duo e seu ambi­ente (Ryan & Deci, 2017). Essa per­spec­ti­va per­mite a com­preen­são do bem-estar de for­ma ampla, des­de uma per­spec­ti­va indi­vid­ual até uma per­spec­ti­va psi­cos­so­cial e comu­nitária (Bedin & Sar­ri­era, 2017). Pril­lel­sten­sky et al. (2015) desen­volver­am um mod­e­lo mul­ti­di­men­sion­al de bem-estar que inte­gra a sat­is­fação com a vida em ger­al com a sat­is­fação com aspec­tos psi­cológi­cos e soci­ais, tais como relações inter­pes­soais, comu­nidade, ocu­pação pri­or­itária da pes­soa, saúde em ger­al, vida emo­cional e vida financeira.

Na direção do bem-estar, a qual­i­dade de vida (QV) tam­bém é um con­struc­to mul­ti­di­men­sion­al que abrange com­po­nentes físi­cos, emo­cionais, men­tais, soci­ais e com­por­ta­men­tais de bem-estar e fun­ciona­men­to, de acor­do com a per­cepção da pes­soa (Har­ald­stad et al., 2019). Estu­dos em diver­sos país­es sug­erem que jovens em situ­ação de acol­hi­men­to têm uma QV mais baixa do que jovens na pop­u­lação em ger­al (Larsen et al., 2021; Lind­ner & Han­lon, 2024). No entan­to, é impor­tante con­sid­er­ar que a ado­lescên­cia cor­re­sponde ao perío­do mais cur­to, mas, tam­bém, um dos mais saudáveis, do ciclo vital (Dick & Fer­gu­son, 2015). Assim, os ado­les­centes cos­tu­mam apre­sen­tar uma per­cepção pos­i­ti­va de sua qual­i­dade de vida, pois, nes­sa eta­pa, essa per­cepção incor­po­ra uma série de aspec­tos sub­je­tivos, além dos obje­tivos (Câmara & Strel­how, 2018).

Nesse sen­ti­do, o pre­sente estu­do pre­tendeu tes­tar o efeito medi­ador do DPJ na relação pred­i­ti­va entre rela­ciona­men­tos, exper­iên­cia esco­lar, situ­ação finan­ceira, qual­i­dade de vida e bem-estar mul­ti­di­men­sion­al e PPVA entre jovens em proces­so de saí­da de insti­tu­ições de acol­hi­men­to e egres­sos recentes. A hipótese do estu­do foi de que o papel medi­ador do DPJ, entre as var­iáveis em estu­do, con­tribui para uma mel­hor per­cepção de preparo.

MÉTODO

O pre­sente estu­do obser­va­cional, analíti­co de corte trans­ver­sal foi real­iza­do no Rio Grande do Sul (RS), Brasil.

Contexto do Estudo

De acor­do com os reg­istros ofi­ci­ais do Sis­tema Nacional de Adoção de 2022, exis­ti­am, no Brasil, cer­ca de 32 mil cri­anças e ado­les­centes acol­hi­dos em um total de 3259 insti­tu­ições. O esta­do do Rio Grande do Sul pos­suía em torno de 422 insti­tu­ições de acol­hi­men­to res­i­den­cial, com cer­ca de 650 ado­les­centes maiores de 16 anos, con­fig­u­ran­do-se como o segun­do esta­do brasileiro com o maior número de ado­les­centes acol­hi­dos (Con­sel­ho Nacional de Justiça [CNJ], 2022). Somente na cidade de Por­to Ale­gre, cap­i­tal do esta­do, exis­ti­am 67 casas de acol­hi­men­to para cri­anças e ado­les­centes e três repúbli­cas para egres­sos do sis­tema de acol­hi­men­to (Fun­dação de Assistên­cia Social e Cidada­nia [FASC], 2021).

Pop­u­lação-alvo, amostragem e participantes

A pop­u­lação-alvo do pre­sente estu­do eram jovens com idades entre 16 e 21 anos, que tivessem vivi­do, pelo menos, 18 meses em uma ou mais IA. Destes, os par­tic­i­pantes pode­ri­am ser jovens que ain­da estavam no sis­tema de acol­hi­men­to, com idade próx­i­ma à maior­i­dade e, por­tan­to, em vias de sair do sis­tema, e jovens egres­sos do sis­tema há, no máx­i­mo, três anos.

A amostragem foi por aces­si­bil­i­dade. Foram con­tatadas todas as IAs de 19 municí­pios do RS, às quais foram con­vi­dadas a par­tic­i­par. Quan­to aos egres­sos, estes foram aces­sa­dos ini­cial­mente, nas repúbli­cas para egres­sos. Quan­do da real­iza­ção do con­vite para a pesquisa, se solic­i­ta­va aos jovens a indi­cação de out­ros jovens egres­sos que pudessem ter inter­esse em par­tic­i­par do estu­do, assim como foi pedi­do que eles divul­gassem a pesquisa entre seus pares. Além dis­so, foram uti­lizadas redes soci­ais para a divul­gação do estu­do. Entre os egres­sos, uti­li­zou-se a téc­ni­ca bola de neve, na qual os par­tic­i­pantes respon­der­am ao for­mulário e tiver­am a pos­si­bil­i­dade de repassá-lo a out­ros jovens egres­sos (Creswell, 2010).

Par­tic­i­param do estu­do 107 jovens, den­tre os quais 85 (79,4%) ain­da estavam em IA e 22 (20,6%) eram egres­sos recentes de IA. A maior parte dos par­tic­i­pantes eram meni­nas (67, 66,2%). A idade média foi de 16,99 (DP = 1,27). Em ter­mos étni­cos-raci­ais, 44 (41,1%) se autode­clar­am bran­cos, 24 (22,4%) pre­tos, 36 (33,6%) par­dos e 3 (2,8%) indí­ge­nas. No que diz respeito à esco­lar­i­dade, 46 (43%) relataram ter ensi­no médio incom­ple­to, 45 (42,1%) ensi­no fun­da­men­tal incom­ple­to, 8 (7,5%) ensi­no médio com­ple­to e 6 (5,6%).

Instrumentos

1. Inquéri­to sociode­mográ­fi­co. Avalia local de residên­cia, sexo, idade, etnia/raça autor­referi­da, esco­lar­i­dade, com quem mora, tipo de casa, prin­ci­pal ativi­dade durante o dia, moti­vo de insti­tu­cional­iza­ção e tem­po de institucionalização.

2. Instru­men­tos desen­volvi­dos para o pre­sente estu­do com base nos estu­dos de Montser­rat et al. (2011) e Montser­rat et al. (2015):

2.1 Rela­ciona­men­tos durante o acol­hi­men­to. Avalia a qual­i­dade dos rela­ciona­men­tos den­tro e fora da IA. Com­pos­to de qua­tro aspec­tos: (rela­ciona­men­to com profis­sion­ais da IA, com­pan­heiros da IA, família de origem e ami­gos de fora da IA). Ex. de item: “Como você avalia seu rela­ciona­men­to com os profis­sion­ais (psicól­o­go, assis­tente social, edu­cadores, etc.) da IA?”. As respostas vari­am de 1 — pés­si­mo a 5 – ótimo.

2.2 Exper­iên­cia esco­lar. Con­s­ta de qua­tro áreas: difi­cul­dades com a esco­la, fal­ta de moti­vação para estu­dar, fal­ta de uma rede de apoio ade­qua­da para o estu­do, fal­ta de esta­bil­i­dade no abri­go para o estu­do. Ex. de item: “O quan­to você con­sid­era que a roti­na da IA con­tribui para suas ativi­dades de estu­do?”. As respostas vari­am de 1 — nada a 5 – muito, sendo as médias mais ele­vadas indica­ti­vas de exper­iên­cia esco­lar mais pos­i­ti­va. Os itens são inver­tidos e maiores médias indicam mel­hor exper­iên­cia escolar.

2.3 Situ­ação finan­ceira. Avalia prob­le­mas para se man­ter eco­nomi­ca­mente, prob­le­mas finan­ceiros e avali­ação da situ­ação finan­ceira atu­al. Ex. de item: “Con­sidero que terei prob­le­mas para me man­ter eco­nomi­ca­mente”. As respostas vari­am de 1- dis­cor­do total­mente a 5 — con­cor­do total­mente. Os itens da escala são inver­tidos, de maneira que maiores médias indicam mel­hor situ­ação financeira.

2.4 Qual­i­dade de vida perce­bi­da (QVP). Avalia a per­cepção de saúde ger­al, saúde men­tal, saúde físi­ca, sat­is­fação com a vida, relações soci­ais, relações afe­ti­vas, relações famil­iares, ativi­dades de laz­er residên­cia. Ex. de item: “Como você avalia a qual­i­dade de suas relações afe­ti­vas?”. As respostas vari­am de 1 – pés­si­mo a 5 — exce­lente). Médias mais ele­vadas indicam mel­hor per­cepção de qual­i­dade de vida percebida.

2.5 Per­cepção de preparação para a vida adul­ta (PPVA). Con­s­ta da avali­ação de 10 aspec­tos (preparação para a vida autôno­ma em ger­al, infor­mações e aju­da com as quais con­ta, pes­soas que aju­dam, apren­diza­gem sobre como lidar com as coisas de uma casa, mon­i­tora­men­to do din­heiro, con­hec­i­men­to sobre como lidar com pes­soas difer­entes, habil­i­dades para um tra­bal­ho de inter­esse, saber con­ver­sar sem se exal­tar, sen­sação de preparação para a vida adul­ta e apoio frente a emoções neg­a­ti­vas. Ex. de item: “Como você avalia os seguintes aspec­tos rel­a­tivos à sua preparação para a vida adul­ta? — As infor­mações e a aju­da com as quais você con­ta”. As respostas vari­am de 1 — pés­si­mo a 5 – exce­lente. Médias mais ele­vadas indicam mel­hor PPVA.

3. Bem-estar mul­ti­di­men­sion­al. Inter­per­son­al, Com­mu­ni­ty, Occu­pa­tion­al, Phys­i­cal, Psy­cho­log­i­cal and Eco­nom­ic (I COPPE), desen­volvi­da por Pril­lel­tensky e. al. (2015) e adap­ta­da para o Brasil pelo Grupo de Pesquisa [nome ocul­ta­do para preser­vação da avali­ação às cegas]. O instru­men­to é com­pos­to por 21 itens que men­su­ram o bem-estar ger­al e o bem-estar em out­ras seis dimen­sões (Inter­pes­soal, Comu­nitária, Ocu­pa­cional, Físi­ca, Psi­cológ­i­ca e Econômi­ca), com três itens por dimen­são. Ex. de item: “Quan­do se tra­ta da comu­nidade onde você mora, em qual número você está AGORA?”. Cada item é respon­di­do em uma escala de 11 pon­tos, var­ian­do de 0 (o pior que sua vida pode ser) a 10 (o mel­hor que sua vida pode ser). O mod­e­lo obti­do na amostra brasileira apre­sen­tou índices de ade­quação sat­is­fatórios: X2 = 707,929 (p ≤ 0,01); CFI = 0,98; RMSEA = 0,05 (I.C. = 0,04 — 0,05).

4. Desen­volvi­men­to pos­i­ti­vo na Juven­tude. The Bridge Pos­i­tive Youth Devel­op­ment Scale — BPYD (Lopez et al., 2015). Foi uti­liza­da a ver­são adap­ta­da para o Brasil real­iza­da pelo Grupo de Pesquisa [nome ocul­ta­do para preser­vação da avali­ação às cegas]. O instru­men­to é com­pos­to por 25 itens e cin­co dimen­sões (com­petên­cia, con­fi­ança, conexão, caráter e cuida­do) com 5 itens por dimen­são. Ex. de item: “Eu gos­to de quem eu sou”. As respostas são em escala Lik­ert, var­ian­do de 1 – dis­cor­do total­mente a 5 – con­cor­do total­mente. O mod­e­lo obti­do na amostra brasileira apre­sen­tou índices de ade­quação sat­is­fatórios: X2

Procedimentos de coleta dos dados

Após a anuên­cia das IAs e a con­cordân­cia dos egres­sos do sis­tema de acol­hi­men­to, dado que a cole­ta de dados ocor­reu ime­di­ata­mente após o perío­do de iso­la­men­to pela COVID-19, os instru­men­tos foram inseri­dos no for­mulário eletrôni­co Google Forms. A cole­ta de dados foi real­iza­da pela pesquisado­ra, de for­ma indi­vid­ual, em encon­tro agen­da­do na platafor­ma Google Meet. O tem­po médio de respos­ta foi de 45 minutos.

Pro­ced­i­men­tos de análise dos dados

Foram real­izadas anális­es uni­vari­adas e bivari­adas das medi­das uti­lizadas, assim como seus coe­fi­cientes de con­sistên­cia inter­na. Para as anális­es bivari­adas entre as var­iáveis em estu­do, foi uti­liza­da Cor­re­lação de Pear­son; para a análise da con­sistên­cia inter­na, foi uti­liza­do o coe­fi­ciente alfa de Cron­bach. Os dados foram anal­isa­dos por meio do mod­e­lo de medi­ação GLM no módu­lo Med­mod com pacote estatís­ti­co Jamovi 2.2.5. O méto­do baseia-se no méto­do de medi­ação com 5000 inter­va­l­os de con­fi­ança de 95% cor­rigi­dos por boot­strap, recomen­da­do por Hayes (2022) como medi­das de efeitos indi­re­tos. Foi con­sid­er­a­do o nív­el de sig­nificân­cia de 95% (p < 0,05).

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprova­da pelo Comitê de Éti­ca em Pesquisa da [nome ocul­ta­do para preser­vação da avali­ação às cegas] sob o número CAEE [número ocul­ta­do para preser­vação da avali­ação às cegas]. Os ado­les­centes menores de idade man­i­fes­taram sua con­cordân­cia por meio do Ter­mo de Assen­ti­men­to Livre e Esclare­ci­do (TALE) e sua par­tic­i­pação foi con­sen­ti­da pelas IAs pelo Ter­mo de Con­sen­ti­men­to Livre e Esclare­ci­do (TCLE). Os maiores de idade con­cor­daram via TCLE. A cole­ta online seguiu as dire­trizes do ofí­cio cir­cu­lar nº 2/2021/CONEP/SECNS/MS, respei­tan­do a pri­vaci­dade e o sig­i­lo dos dados de todos os participantes.

RESULTADOS

Quan­to ao moti­vo que oca­sio­nou a insti­tu­cional­iza­ção, 20 (18,7%) respon­der­am conflitos/brigas famil­iares, 16 (15%) uso de álcool/drogas e/ou prisão na família/violência famil­iar, 14 (13,1%) fal­ta de condições bási­cas da família, 11 (10,3%) falecimento/falta de cuidadores, 8 (7,5%) abu­so sex­u­al, 4 (3,7%) maus tratos, 4 (3,7%) situ­ação de rua, 4 (3,7%) aban­dono, 5 (4,7%) neg­ligên­cia, 5 (4,7%) agressão, 2 (1,9%) por denún­cias e 4 (3,7%) não sabi­am. A maio­r­ia, 65 (60,7%), tin­ha irmãos em IA e 30 (28%) já viven­cia­ram o proces­so de adoção. No proces­so de insti­tu­cional­iza­ção, 53 (49,5%) moraram somente em casas-lares, 43 (40,2%) viver­am em pelo menos duas casas-lares. O tem­po de insti­tu­cional­iza­ção var­i­ou de um mês a 204 meses (17 anos) (M = 59,10 meses; DP = 52,22).

A maio­r­ia dos par­tic­i­pantes, 85 (79,4%), ain­da mora­va em IA, enquan­to, den­tre os 22 egres­sos, 5 (4,7%) moravam com a família biológ­i­ca, 3 (4,7%) moravam com o(a) parceiro(a), 3 (2,8%) com ami­gos, 3 (2,8%) soz­in­hos e 4 (3,7%) com edu­cadores e/ou out­ros ami­gos. Quan­to à mora­dia, 91 (85%) vivi­am em casa com­par­til­ha­da, 10 (9,3%) na casa da família sem respon­s­abil­i­dade de aluguel, 3 (2,8%) em uma casa só para si e 3 (2,8%) em out­ro tipo de con­tex­to. A prin­ci­pal ativi­dade atu­al de 42 (39,3%) par­tic­i­pantes é estu­dar, 27 (25,2%) tra­bal­har, 20 (18,7%) curso/capacitação profis­sion­al, 11 (10,3%) estão à procu­ra de emprego, 1 (0,9%) cui­da de cri­ança ou mem­bro da família, 1 (0,9%) faz cur­so e bus­ca emprego, 2 (1,9%) tra­bal­ham e cuidam de alguém e 3 (2,8%) estu­dam e cuidam de alguém.

A tabela 1 apre­sen­ta as médias, desvios-padrão, alfas e cor­re­lações das medi­das uti­lizadas. Os resul­ta­dos rev­e­laram cor­re­lações pos­i­ti­vas sig­ni­fica­ti­vas entre as var­iáveis inde­pen­dentes (VIs) rela­ciona­men­tos, exper­iên­cia esco­lar, qual­i­dade de vida e bem-estar mul­ti­di­men­sion­al e DPJ; a VI situ­ação finan­ceira apre­sen­tou cor­re­lação neg­a­ti­va sig­ni­fica­ti­va com DPJ, con­forme o esper­a­do. No que tange à PPVA, os resul­ta­dos demon­straram cor­re­lações sig­ni­fica­ti­vas e pos­i­ti­vas entre as VIs exper­iên­cia esco­lar, qual­i­dade de vida e bem-estar mul­ti­di­men­sion­al. A VI situ­ação finan­ceira não apre­sen­tou cor­re­lação sig­ni­fica­ti­va com PPVA. Os alfas obti­dos, apre­sen­ta­dos na diag­o­nal entre parên­te­ses, foram todos aci­ma de 0,70, con­sid­er­a­dos ade­qua­dos (Tabela 1).

Para a análise de medi­ação foram con­sid­er­adas como VIs: rela­ciona­men­tos, exper­iên­cia esco­lar, situ­ação finan­ceira, qual­i­dade de vida e bem-estar mul­ti­di­men­sion­al; como medi­ado­ra o DPJ e como var­iáv­el depen­dente (VD) PPVA (Tabela 2 e Figu­ra 1).

Quan­to à análise de medi­ação, con­forme apre­sen­ta­do na Tabela 2 e na Figu­ra 1, ver­i­fi­cou-se efeito dire­to e pos­i­ti­vo entre a per­cepção da qual­i­dade de vida e PPVA. A var­iáv­el DPJ fun­cio­nou como medi­ado­ra na relação entre exper­iên­cia esco­lar, per­cepção da qual­i­dade de vida e bem-estar mul­ti­di­men­sion­al e PPVA. Nesse sen­ti­do, o DPJ poten­cial­iza o efeito pos­i­ti­vo da exper­iên­cia esco­lar, da per­cepção pos­i­ti­va da qual­i­dade de vida atu­al e do bem-estar mul­ti­di­men­sion­al e PPVA.

DISCUSSÃO

Esse estu­do teve como obje­ti­vo ver­i­ficar se o DPJ pode­ria fun­cionar como var­iáv­el medi­ado­ra na relação entre as var­iáveis rela­ciona­men­tos, exper­iên­cia esco­lar, situ­ação finan­ceira, qual­i­dade de vida e bem-estar mul­ti­di­men­sion­al e PPVA entre jovens em proces­so de saí­da de insti­tu­ições de acol­hi­men­to e egres­sos do sis­tema de acol­hi­men­to no Rio Grande do Sul. A hipótese esta­b­ele­ci­da foi de que o DPJ desem­pen­ha um papel medi­ador entre essas var­iáveis inde­pen­dentes e PPVA, con­tribuin­do para uma mel­hor percepção.

Os resul­ta­dos ref­er­entes à hipótese esta­b­ele­ci­da foram par­cial­mente con­fir­ma­dos, pois o DPJ fun­cio­nou como medi­ador de três var­iáveis (exper­iên­cia esco­lar, qual­i­dade de vida e bem-estar mul­ti­di­men­sion­al) e PPVA. No que tange ao efeito dire­to sobre PPVA, somente a var­iáv­el qual­i­dade de vida foi preditora.

As var­iáveis rel­a­ti­vas à avali­ação de aspec­tos sub­je­tivos são fun­da­men­tais no que se ref­ere à medi­ação do DPJ sobre a PPVA. Entre ado­les­centes em insti­tu­ições de acol­hi­men­to, todas as vivên­cias que con­tribuem para o sen­so de agên­cia, con­tribuem para a inter­nal­iza­ção de com­petên­cias cen­trais do DPJ (Lern­er et al., 2005). Isso atua como fator pro­te­tor e moti­vador para a PPVA, pois amplia o sen­ti­men­to de com­petên­cia, a clareza de metas e a expec­ta­ti­va de suporte em tran­sições críti­cas, como o desliga­men­to insti­tu­cional (Ban­dura, 1997).

Jovens adul­tos com históri­co de acol­hi­men­to insti­tu­cional ten­dem a enfrentar difi­cul­dades sig­ni­fica­ti­vas no iní­cio da vida adul­ta. Para que essa tran­sição ocor­ra de for­ma bem-suce­di­da, é necessário um proces­so de preparação que inclua suporte ade­qua­do e aces­so a recur­sos (Häg­gman-Laiti­la et al., 2019). As diver­sas áreas da vida dess­es jovens são fun­da­men­tais para um DPJ que lhes per­mi­ta uma mel­hor per­cepção de preparação para a vida adul­ta. Essa tare­fa supera as atribuições das IAs e esta­b­elece um desafio para toda a sociedade, que deve ofer­e­cer mais opor­tu­nidades, serviços e apoio nos quais os jovens pos­sam con­fi­ar (Mun­son et al., 2024).

Um dos aspec­tos sub­je­tivos iner­entes ao desen­volvi­men­to é a edu­cação, a inserção no con­tex­to esco­lar e as vivên­cias nesse con­tex­to. A lit­er­atu­ra mostra que as cri­anças acol­hi­das em lares são mais propen­sas a fal­tar à esco­la, ter neces­si­dades edu­ca­cionais espe­ci­ais e viven­ciar even­tos traumáti­cos na vida do que seus cole­gas que não são acol­hi­dos. Tam­bém são menos propen­sas a con­cluir o ensi­no médio e ir para a fac­ul­dade (Trout et al., 2008).

Assim, a situ­ação de acol­hi­men­to está rela­ciona­da ao menor enga­ja­men­to esco­lar, à baixa autoes­ti­ma e à fal­ta de habil­i­dades soci­ais (Mihalec-Adkin & Coo­ley, 2020; McGuire et al., 2021). No entan­to, uma exper­iên­cia esco­lar sat­is­fatória con­tribui para o DPJ ao for­t­ale­cer crenças de autoeficá­cia, desen­volvi­men­to de metas real­is­tas e moti­vação para a con­quista de autono­mia (Lern­er, 2011) e, através do DPJ, con­tribui para uma mel­hor PPVA.

O sen­so de preparo para a vida adul­ta está intrin­se­ca­mente rela­ciona­do a como o ado­les­cente se vê capaz de lidar com deman­das da vida, o que for­t­alece a per­cepção de con­seguir vencer desafios como obter tra­bal­ho e sus­ten­tar-se. Ess­es jovens ten­dem a relatar maior con­fi­ança em sua capaci­dade de tomar decisões e plane­jar sua vida futu­ra (Arnett, 2016).

O BEM e a QV perce­bi­da são con­stru­tos rela­ciona­dos. O bem-estar rep­re­sen­ta um pilar fun­da­men­tal para a saúde e a qual­i­dade de vida de cri­anças em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade. Tra­ta-se de um con­stru­to mul­ti­fac­eta­do que inte­gra seis com­po­nentes essen­ci­ais: autoa­ceitação, autono­mia, cresci­men­to pes­soal, domínio ambi­en­tal, relações pos­i­ti­vas e propósi­to de vida (Kúld et al., 2021; Ryff, 1989). A QV tam­bém é mul­ti­di­men­sion­al, com­preen­den­do as dimen­sões físi­ca, emo­cional, men­tal, social e com­por­ta­men­tal, as quais se inte­gram ao bem-estar e o fun­ciona­men­to da pes­soa (Ravens-Sieber­er et al., 2014).

O BEM e a QV são perce­bidos pelo jovem a par­tir de uma con­strução que foi per­me­an­do seu desen­volvi­men­to e se ref­ere a exper­iên­cias em ambi­entes apoiadores que con­tem­plaram as neces­si­dades emo­cionais e pro­por­cionaram vín­cu­los sig­ni­fica­tivos que facil­i­taram um sen­ti­do de direção pes­soal. Assim, BEM e QV con­tribuem para um DPJ mar­ca­do por segu­rança, esta­bil­i­dade e aces­so a recur­sos, o qual favorece uma mel­hor PPVA (Häg­gman-Laiti­la et al., 2018).

O estu­do apre­sen­ta algu­mas lim­i­tações, como os instru­men­tos uti­liza­dos que, em sua maio­r­ia, foram desen­volvi­dos especi­fi­ca­mente para o pre­sente estu­do, emb­o­ra ten­ham apre­sen­ta­do índices sat­is­fatórios de con­fi­a­bil­i­dade. Tam­bém se apon­ta o uso de amostra não prob­a­bilís­ti­ca e desen­ho trans­ver­sal, que não per­mitem a gen­er­al­iza­ção de resul­ta­dos e esta­b­elec­i­men­to de relações causais.

Como forças, desta­ca-se o número amostral e a com­posição da amostra em ter­mos tan­to de jovens prestes a sair do sis­tema como jovens recen­te­mente egres­sos. Os jovens em situ­ação de acol­hi­men­to rep­re­sen­tam um públi­co pro­te­gi­do e de difí­cil aces­so; da mes­ma for­ma, quan­to aos jovens egres­sos, o aces­so só foi pos­sív­el medi­ante indicações.

São sug­eri­dos novos estu­dos, de abor­dagem quan­ti­ta­ti­va, que abran­jam amostras nacionais e con­tem­plem out­ras dimen­sões desse proces­so de tran­sição, como as ref­er­entes ao aces­so a infor­mações e recur­sos de apoio disponíveis na comu­nidade. Estu­dos quan­ti­ta­tivos de maior abrangên­cia podem con­tribuir para um mel­hor acom­pan­hamen­to da tra­jetória dos jovens entre a situ­ação de acol­hi­men­to insti­tu­cional e a inserção na vida adul­ta. Com base em evidên­cias os estu­dos poderão con­tribuir para políti­cas públi­cas mais efi­cazes jun­to a essa população.

Em ter­mos de impli­cações para a práti­ca, a par­tir dos resul­ta­dos, se propõem a adoção de pro­gra­mas trans­ver­sais de habil­i­dades para vida enquan­to os jovens ain­da estão no acol­hi­men­to. Dessa for­ma, eles estarão mel­hor prepara­dos para trans­por essas habil­i­dades para um con­tex­to de vida adul­ta. O con­tex­to esco­lar deve ser capac­i­ta­do para lidar com a real­i­dade dess­es jovens, de maneira a ajudá-los a super­ar difi­cul­dades de con­tinuidade dos estu­dos e per­mi­tir-lhes uma esco­lar­i­dade maior. Por fim, as comu­nidades e a sociedade, de for­ma ger­al, devem artic­u­lar-se em ter­mos de redes de apoio especi­fi­ca­mente dire­cionadas a essa população.

Referências

Arnett, J. J., Žukauskienė, R., & Sug­imu­ra, K. (2014). The new life stage of emerg­ing adult­hood at ages 18–29 years: Impli­ca­tions for men­tal health. The Lancet Psy­chi­a­try, 1(7), 569–576.

Ban­dura, A. (1997). Self-effi­ca­cy: The exer­cise of con­trol. W. H. Freeman.

Brasil. (1990). Lei Nº 8.069, de 13 de jul­ho de 1990. Dis­põe sobre o Estatu­to da Cri­ança e do Adolescente.

BrasiL. (2017). Lei Nº 13.509, de 22 de novem­bro de 2017. Dis­põe sobre adoção e altera a Lei nº 8.069.

Car­val­ho, J., Pin­to, V., & Del­ga­do, P. (2020). Deci­sion mak­ing process in the child pro­tec­tion sys­tem: A com­par­a­tive study between stu­dents and pro­fes­sion­als in Por­tu­gal. Jour­nal of Fam­i­ly Trau­ma, Child Cus­tody & Child Devel­op­ment, 17(1), 58–75.

Câmara, S. G., & Strel­how, M. R. W. (2019). Self-per­ceived health among school-aged ado­les­cents: A school-based study in South­ern Brazil. Applied Research in Qual­i­ty of Life, 14(3), 603–615.

Comitê dos Dire­itos da Cri­ança das Nações Unidas. (2021). Day of gen­er­al dis­cus­sion: Chil­dren’s rights and alter­na­tive care. Escritório do Alto Comis­sari­a­do das Nações Unidas para os Dire­itos Humanos (OHCHR).

Con­sel­ho Nacional de Justiça (2022, 10 de out­ubro). Diag­nós­ti­co sobre o sis­tema nacional de adoção e acol­hi­men­to. CNJ.

Court­ney, M. E., Hook, J. L., & Lee, J. S. (2012). Dis­tinct sub­groups of for­mer fos­ter youth dur­ing young adult­hood: Impli­ca­tions for pol­i­cy and prac­tice. Child Care in Prac­tice, 18(4), 409–418.

Cro­cetti, E., Moscatel­li, S., Van der Graaff, J., Rubi­ni, M., Meeus, W., & Bran­je, S. (2016). The inter­play of self-cer­tain­ty and proso­cial devel­op­ment in the tran­si­tion from late ado­les­cence to emerg­ing adult­hood. Euro­pean Jour­nal of Per­son­al­i­ty, 30(6), 594–607.

Desmond, C., Watt, K., Saha, A., Huang, J., & Lu, C. (2020). Preva­lence and num­ber of chil­dren liv­ing in insti­tu­tion­al care: Glob­al, region­al, and coun­try esti­mates. The Lancet Child & Ado­les­cent Health, 4(5), 370–377.

Dey, P., & Daliya, B. R. (2019). The effect of resilience on the psy­cho­log­i­cal well­be­ing of orphan and non-orphan ado­les­cents. Indi­an Jour­nal of Men­tal Health, 6(3), 253–260.

Dick, B., & Fer­gu­son, B. J. (2015). Health for the world’s ado­les­cents: A sec­ond chance in the sec­ond decade. Jour­nal of Ado­les­cent Health, 56(1), 3–6.

Fun­dação de Assistên­cia Social e Cidada­nia (2021). Pro­teção social espe­cial – Ações de alta com­plex­i­dade. Prefeitu­ra Munic­i­pal de Por­to Alegre.

Häg­gman-Laiti­la, A., Salokekkilä, P., & Kar­ki, S. (2018). Tran­si­tion to adult life of young peo­ple leav­ing fos­ter care: A qual­i­ta­tive sys­tem­at­ic review. Chil­dren and Youth Ser­vices Review, 95, 134–143.

Häg­gman-Laiti­la, A., Salokekkilä, P., & Kar­ki, S. (2019). Young people’s pre­pared­ness for adult life and cop­ing after fos­ter care: A sys­tem­at­ic review of per­cep­tions and expe­ri­ences in the tran­si­tion peri­od. Child & Youth Care Forum, 48(5), 633–661.

Har­ald­stad, K., Wahl, A., Andenæs, R., Ander­sen, J. R., Ander­sen, M. H., Beis­land, E., … & LIVSFORSK net­work. (2019). A sys­tem­at­ic review of qual­i­ty of life research in med­i­cine and health sci­ences. Qual­i­ty of Life Research, 28(10), 2641–2650.

Hamil­ton, S.F., Hamil­ton, M.A., & Pittman, K. Prin­ci­ples for Youth Devel­op­ment. In S.F. Hamil­ton & M.A. Hamil­ton (Eds.) 2004, The Youth Devel­op­ment Hand­book: Com­ing of Age in Amer­i­can Com­mu­ni­ties (pp.3–22). Thou­sand Oaks: Sage Pub­li­ca­tions, Inc.

Hayes, A. F. (2022). Intro­duc­tion to medi­a­tion, mod­er­a­tion, and con­di­tion­al process analy­sis: A regres­sion-based approach (3rd ed.). Guil­ford Press.

Keller, T. E., Cusick, G. R., & Court­ney, M. E. (2007). Approach­ing the tran­si­tion to adult­hood: Dis­tinc­tive pro­files of ado­les­cents aging out of the child wel­fare sys­tem. Social Ser­vice Review, 81(3), 453–484.

Kúld, P. B., Kef, S., & Sterken­burg, P. S. (2021). Bib­lio­met­ric map­ping of psy­cho­log­i­cal well-being among chil­dren with a visu­al impair­ment. British Jour­nal of Visu­al Impair­ment, 39(2), 131–146.

Larsen, M., Goe­mans, A., Baste, V., Wilder­jans, T. F., & Lehmann, S. (2021). Pre­dic­tors of qual­i­ty of life among youths in fos­ter care—a 5‑year prospec­tive fol­low-up study. Qual­i­ty of Life Research, 30(2), 543–554.

Lern­er, R. M., Lern­er, J. V., Alme­ri­gi, J. B., Theokas, C., Phelps, E., Gests­dót­tir, S., Naudeau, S., Jeli­cic, H., Alberts, A. E., Ma, L., Smith, L. M., Bobek, D. L., Rich­man-Raphael, D., Simp­son, I., Chris­tiansen, E. D., & von Eye, A. (2005). Pos­i­tive youth devel­op­ment, par­tic­i­pa­tion in com­mu­ni­ty youth devel­op­ment pro­grams, and com­mu­ni­ty con­tri­bu­tions of fifth-grade ado­les­cents: Find­ings from the first wave of the 4‑H study of pos­i­tive youth devel­op­ment. Jour­nal of Ear­ly Ado­les­cence, 25(1), 17–71.

Lind­ner, A. R., & Han­lon, R. (2024). Out­comes of youth with fos­ter care expe­ri­ences based on per­ma­nen­cy out­come – Adop­tion, aging out, long-term fos­ter care, and reuni­fi­ca­tion: A sys­tem­at­ic review. Chil­dren and Youth Ser­vices Review, 156, 107366.

Lopez, A., Yoder, J. R., Bris­son, D., Lechuga-Peña, S., & Jen­son, J. M. (2015). Devel­op­ment and val­i­da­tion of a pos­i­tive youth devel­op­ment mea­sure: The bridge-pos­i­tive youth devel­op­ment. Research on Social Work Prac­tice, 25(6), 726–736.

Ma, C. M. S., Shek, D. T. L., & Leung, H. (2024). Eval­u­at­ing the impact of a pos­i­tive youth devel­op­ment pro­gram on the well-being of uni­ver­si­ty stu­dents: A lon­gi­tu­di­nal study. Applied Research in Qual­i­ty of Life. Advance online publication.

Maia, C. R. (2022). A inclusão social no acol­hi­men­to insti­tu­cional: O papel da edu­cação e da inclusão esco­lar. Um estu­do com as ado­les­centes do espaço Dan­dara. Revista da EMERJ, 25(1), 82–104.

McGuire, A., Gabriel­li, J., Ham­brick, E., Abel, M. R., Guler, J., & Jack­son, Y. (2021). Aca­d­e­m­ic func­tion­ing of youth in fos­ter care: The influ­ence of unique sources of social sup­port. Chil­dren and Youth Ser­vices Review, 121, 105867.

Mendes, E. V. (2014). A tran­sição para a vida adul­ta de jovens em situ­ação de acol­hi­men­to insti­tu­cional [Tese de doutora­do, Uni­ver­si­dade Estad­ual de Camp­inas]. Repositório da UNICAMP.

Mihalec-Adkins, B. P., & Coo­ley, M. E. (2020). Exam­in­ing indi­vid­ual-lev­el aca­d­e­m­ic risk and pro­tec­tive fac­tors for fos­ter youth: School engage­ment, behav­iors, self-esteem, and social skills. Child & Fam­i­ly Social Work, 25(2), 256–266.

Montser­rat, C., Casas, F., & Sis­teró, C. (2015). Estu­di sobre l’atenció als joves extute­lats: Evolu­ció, val­o­ració i reptes de futur (Col·lecció eines 21). Depar­ta­ment de Ben­es­tar Social i Familia.

Montser­rat, C., Casas, F., Malo, S., & Bertran, I. (2011). Los itin­er­ar­ios educa­tivos de los jóvenes ex-tute­la­dos. Min­is­te­rio de Sanidad, Políti­ca Social e Igualdad.

Montser­rat, C., Llosa­da-Gis­tau, J., & Fuentes-Peláez, N. (2020). Child, fam­i­ly and sys­tem vari­ables asso­ci­at­ed to break­downs in fam­i­ly fos­ter care. Chil­dren and Youth Ser­vices Review, 109, 104701.

Mun­son, M. R., Muraya­ma, J., & Taus­sig, H. (2024). Pre­pared­ness for adult­hood among young adults with his­to­ries of out-of-home care. Devel­op­men­tal Child Wel­fare, 6(2), 106–124.

Nações Unidas. (1989). Con­venção sobre os Dire­itos da Cri­ança. Assem­bleia Ger­al das Nações Unidas.

Orga­ni­za­ção Mundi­al da Saúde. (2014). Health for the world’s ado­les­cents: A sec­ond chance in the sec­ond decade.

Petrows­ki, N., Cap­pa, C., & Gross, P. (2017). Esti­mat­ing the num­ber of chil­dren in for­mal alter­na­tive care: Chal­lenges and results. Child Abuse & Neglect, 70, 388–398.

Pril­lel­tensky, I., Dietz, S., Pril­lel­tensky, O., Myers, N. D., Ruben­stein, C. L., Jin, Y., & McMa­hon, A. (2015). Assess­ing mul­ti­di­men­sion­al well-being: Devel­op­ment and val­i­da­tion of the I COPPE scale. Jour­nal of Com­mu­ni­ty Psy­chol­o­gy, 43(2), 199–226.

Ravens-Sieber­er, U., Herd­man, M., Devine, J., Otto, C., Bullinger, M., Rose, M., & Klasen, F. (2014). The Euro­pean KIDSCREEN approach to mea­sure qual­i­ty of life and well-being in chil­dren: Devel­op­ment, cur­rent appli­ca­tion, and future advances. Qual­i­ty of Life Research, 23(3), 791–803.

Rib­ar, D. C., and Wong, C. (2022). Emerg­ing adult­hood in Aus­tralia: how is this stage lived? In Bax­ter, J., Lam, J., Povey, J., Lee, R., and Zubrick, S.R., Fam­i­ly dyan­mics over the life course 157–175. doi: 10.1007/978–3‑031–12224‑8

Ryan, R. M., & Deci, E. L. (2017). Self-Deter­mi­na­tion The­o­ry: Basic Psy­cho­log­i­cal Needs in Moti­va­tion, Devel­op­ment, and Well­ness. Guil­ford Press.

Ryff, C. D. (1989). Hap­pi­ness is every­thing, or is it? Explo­rations on the mean­ing of psy­cho­log­i­cal well-being. Jour­nal of Per­son­al­i­ty and Social Psy­chol­o­gy, 57(6), 1069–1081.

Sar­ri­era, J. C., & Bedin, L. M. (2017). A mul­ti­di­men­sion­al approach to well-being. In J. C. Sar­ri­era & L. M. Bedin (Eds.), Psy­choso­cial well-being of chil­dren and ado­les­cents in Latin Amer­i­ca: Evi­dence-based inter­ven­tions (pp. 3–26). Springer.

Sil­va, E. R. A., & Ros­set­ti-Fer­reira, M. C. (2018). Tran­sições para a vida adul­ta de ado­les­centes em acol­hi­men­to insti­tu­cional: Expec­ta­ti­vas e desafios. Estu­dos e Pesquisas em Psi­colo­gia, 18(2), 582–601.

Tan­ious R, Gérain P, Jacquet W and_Van Hoof E (2023). A scop­ing review of life skills devel­op­ment and trans­fer in emerg­ing adults. Front. Psy­chol. 14:1275094._doi: 10.3389/fpsyg.2023.1275094

Tol­do, B. F. (2022). Adap­tação e evidên­cias de val­i­dade do Bridge – Pos­i­tive Youth Devel­op­ment Ques­tion­naire [Dis­ser­tação de mestra­do, Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Ciên­cias da Saúde de Por­to Alegre].

Trout, A. L., Haga­man, J., Casey, K., Reid, R., & Epstein, M. H. (2008). The aca­d­e­m­ic sta­tus of chil­dren and youth in out-of-home care: A review of the lit­er­a­ture. Chil­dren and Youth Ser­vices Review, 30(9), 979–994.

UNICEF. (2017). Orphanshttps://data.unicef.org/topic/child-protection/orphans/

UNICEF. (2019). Cri­anças e ado­les­centes em serviços de acol­hi­men­to no Brasil: Análise de dados do Cadas­tro Nacionalhttps://www.unicef.org/brazil/media/5706/file

UNICEF. (2025). Chil­dren in alter­na­tive carehttps://data.unicef.org/topic/child-protection/children-alternative-care/

Viejo, C., Gómez-López, M., & Orte­ga-Ruiz, R. (2018). Ado­les­cents’ psy­cho­log­i­cal well-being: A mul­ti­di­men­sion­al mea­sure. Inter­na­tion­al Jour­nal of Envi­ron­men­tal Research and Pub­lic Health, 15(10), 2325.

Deja un comentario