THE INTEGRATIVE TALENT DEVELOPMENT MODEL AND BRONFENBRENNER’S BIOECOLOGICAL PERSPECTIVE: CONVERGENCES AND COMPLEMENTARITIES
Alberto Abad
Altemir José Gonçalves Barbosa
Universidad Federal de Juiz de Fora
Resumen
Articular diferentes disciplinas, modelos y teorías en un cuerpo integrado de estudio de los procesos de desarrollo es uno de los grandes desafíos en el campo de las Ciencias del Desarrollo Humano que, al trabajar con las transformaciones en el tiempo, se ha caracterizado por su perfil normativo/seminormativo. lejos de fenómenos idiosincrásicos que definen lo que es específico de ciertos individuos y no es necesariamente aplicable a todas o a un gran grupo de personas. Entre estos, aquellos que presentan déficits o capacidades muy por encima de la media a pesar de haber nacido y crecido en circunstancias consideradas “normales”. Desde esta perspectiva, el objetivo de este artículo es articular las convergencias y complementariedades entre el Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner y el Modelo Integrador de Desarrollo del Talento de Gagné, con el objetivo de contribuir al estudio de la Ciencia del Desarrollo Humano combinando tanto patrones típicos de cambio (desarrollo normativo) como individuales. diferencias Los elementos convergentes y complementarios encontrados se centran en tres ejes: los procesos proximales y el proceso de desarrollo del talento; características personales y catalizadores intrapersonales; y el momento y el progreso temporal del desarrollo del talento.
Palabras clave: Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner. Modelo Integrativo de Desarrollo del Talento. Desarrollo del talento.
Resumo
Articular diferentes disciplinas, modelos e teorias em um corpo integrado de estudo dos processos de desenvolvimento é um dos grandes desafios no campo da Ciência do Desenvolvimento Humano que, ao trabalhar com as transformações ao longo do tempo, tem se caracterizado pelo seu perfil normativo/seminormativo, afastando-se dos fenômenos idiossincráticos que definem o que é próprio de determinados indivíduos e não necessariamente é aplicável a todos ou a um grande grupo de pessoas. Dentre estas, aquelas que apresentam déficits ou capacidades muito acima da média apesar de terem nascido e crescido em circunstâncias consideradas “normais”. Nessa perspectiva, o objetivo desse artigo é articular as convergências e complementaridades entre o Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner e o Modelo Integrativo de Desenvolvimento de Talentos de Gagné almejando contribuir ao estudo da Ciência do Desenvolvimento Humano ao combinar tanto padrões típicos de mudança (desenvolvimento normativo) quanto diferenças individuais. Os elementos convergentes e complementares encontrados centram-se em três eixos: os processos proximais e processo de desenvolvimento de talentos; as características pessoais e catalisadores intrapessoais; e o cronossistema e progresso temporal do desenvolvimento de talentos.
Palavras-chave: Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner. Modelo Integrativo de Desenvolvimento de Talentos. Desenvolvimento de talentos.
Introdução
Em um contexto da globalização, um dos grandes desafios no campo da Ciência do Desenvolvimento Humano é articular diferentes disciplinas, modelos e teorias em um corpo integrado de estudo dos processos de desenvolvimento humano (DESSEN; MACIEL, 2014), que o considerem como uma continuidade e, também, como uma série de mudanças sistemáticas, padronizadas e relativamente duradouras ao longo da vida, da concepção à morte (BALTES, 1987). Mudanças ao longo da vida são determinadas por uma série de influências que os indivíduos em desenvolvimento necessitam processar, reagindo e agindo à medida que suas vidas transcorrem.
Baltes (1987) propôs uma taxonomia para essas influências denominada modelo trifatorial: as graduadas pela idade, isto é, aquelas compartilhadas por todos os seres humanos com características genético-biológicas e ambientais e que têm uma forte relação com a idade cronológica, como o desenvolvimento pré-natal, nascer com um alto grau de imaturidade, caminhar e falar a uma certa idade etc.; as graduadas pela história, ou seja, as que são relacionadas ao tempo e ao contexto histórico de uma determinada geração, como crises econômicas e sociais, avanços tecnológicos, grandes mudanças educacionais, guerras civis, migrações etc.; e as influências não normativas, cuja principal característica é não seguir um curso geral e previsível e, desse modo, sua ocorrência, padronização e sequenciamento não são aplicáveis a muitos indivíduos, nem estão claramente vinculados a uma dimensão do tempo de desenvolvimento, como ganhar na loteria, encontros casuais, mudanças acidentais de carreira, realocação etc. Essas três formas de influências operam ao longo da vida, seus efeitos se acumulam com o tempo e são responsáveis por como as vidas se desenvolvem (BALTES, 1987); (BALTES; SMITH, 2004).
Desse modo, existem características do desenvolvimento humano que seguem uma sequência mais previsível quanto mais próximo estiver o indivíduo do princípio da sua trajetória vital. Ainda que o desenvolvimento ocorra em contato com o ambiente, parte do código genético, relacionada aos traços da espécie que são fundamentais para garantir seu futuro, é muito inflexível e seus “planos” são executados apesar de as condições ambientais (PALACIOS, 2004). Contudo, para Gottlieb (2003), a epigênese humana tem um desenvolvimento não determinístico, mas probabilístico e aberto às influências ambientais. O ambiente pode influenciar para que os conteúdos psicológicos e as capacidades se manifestem como uma espécie de “plataforma de lançamento” (PALACIOS, 2004), porém sem saber se aparecerão e nem quais serão.
Quanto mais distante o indivíduo está do início da trajetória vital, menos previsíveis e menos relacionados à maturação os desenvolvimentos se tornam (BALTES, 1987). A influência da cultura, as características do momento histórico no interior de uma determinada cultura, a diversidade que a caracteriza (p.ex., subgrupos sociais existentes nela) e as características individuais (p.ex., genética e experiências pessoais) se tornam fundamentais. O aprendizado, destarte, torna-se um fator crítico para o desenvolvimento.
Nesse sentido, a Ciência do Desenvolvimento Humano, ao trabalhar com as transformações ao longo do tempo e ter como objeto de estudo a conduta humana, tem se caracterizado pelo seu perfil normativo/seminormativo ou, em outras palavras, pela sua aplicabilidade a todos os seres humanos ou a grandes grupos deles (BALTES, 1987), afastando-se dos fenômenos idiossincráticos, que definem o que é próprio de determinados indivíduos e não necessariamente é aplicável a todos ou a um grande grupo de pessoas, como crianças que apresentam déficits ou capacidades muito acima da média apesar de terem nascido e crescido em circunstâncias consideradas “normais”.
Posto isso, é imperativo integrar, em uma perspectiva multidisciplinar, o estudo do desenvolvimento humano com teorias e modelos que compreendam os processos humanos nos níveis intrapsíquico, interpessoal e societal de análise, combinando tanto padrões típicos de mudança (desenvolvimento normativo) quanto diferenças individuais. Esse é o sentido de articular, neste texto, o Modelo Bioecológico (MB) (BRONFENBRENNER, 1977, 1979; 1992; 1999), (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998; 2006) e o Modelo Integrativo de Desenvolvimento de Talentos (GAGNÉ, 1986; 1998; 2008; 2013a; 2013b; 2015; 2016; 2018), (GAGNÉ; MCPHERSON, 2016), (BÉLANGER; GAGNÉ, 2006).
Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner
Na década de 1970, as ciências sociais, como a Sociologia, a Antropologia e a Psicologia, reconheciam a importância de integrar seus objetos de estudo particulares em um trabalho multidisciplinar que aprofundasse e facilitasse a compreensão dos fenômenos de desenvolvimento do indivíduo, da sociedade e da cultura em forma mais abrangente e integral (MOTA, 2005). Nesse cenário, com o intuito de reorientar a tradicional concepção atomista da psicologia que estuda os processos psicológicos, despontam as ideias de Urie Bronfenbrenner que, no seu livro The ecology of human development: experiments by nature and design (1979), questionava as teorias que consideravam o desenvolvimento e o contexto independentes um do outro, separando os atributos pessoais da cultura. Assim, propõe a Teoria Ecológica, que define o desenvolvimento como uma mudança duradoura na maneira pela qual uma pessoa percebe e lida com seu ambiente (BRONFENBRENNER, 1979).
As ideias originais de Bronfenbrenner (1979) tiveram subsequentes reformulações no intuito de descrever e explicar, em forma mais detalhada, o desenvolvimento humano em um modelo que considerasse, por um lado, as propriedades da pessoa e suas interações ou processos proximais e, por outro, incluísse o fator tempo (DESSEN; MACIEL, 2014) ou, em outros termos, a evolução de uma Teoria Ecológica para uma perspectiva Bioecológica caracterizada por uma transição de um foco no meio ambiente e no contexto para uma visão centrada nos processos proximais (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
Bronfenbrenner e Morris (2006) ressaltam que o MB teve muitas influências relacionadas à investigação teórica e empírica sobre o desenvolvimento humano, dentre elas a psicologia cultural de Cole (1995) e a psicologia life-span (BALTES; LINDENBERGER; STAUDINGER, 2007). Contudo, o construto original desse modelo foi derivado da fórmula clássica de Kurt Lewin, que considerava o comportamento como uma função conjunta da pessoa e do ambiente. Bronfenbrenner substituiu o termo comportamento por desenvolvimento (NARVAZ; KOLLER, 2004), que foi definido por Bronfenbrenner e Morris (2006) como continuidade e mudanças nas características biopsicologicas individuais e grupais e como fenômeno que se desdobra ao longo da vida, através de gerações consecutivas e do tempo. O modelo nascente, portanto, propõe que o desenvolvimento humano seja estudado por meio da interação sinérgica de quatro núcleos inter-relacionados: Processo-Pessoa-Contexto-Tempo (PPCT) (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006) e, reitera-se, foi denominado como MB. Há que se assinalar que as contribuições de Bronfenbrenner mudaram ao longo do tempo, passando por três fases de evolução (KREBS, 1997) e, para evitar incoerências teóricas, o presente texto está alicerçado no MB como descrito principalmente por Bronfenbrenner e Morris (2006).
Dentre as propriedades definidoras do MB, o processo, como primeiro construto do modelo, constitui seu núcleo e abrange as diferentes formas de interação entre organismo e ambiente (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006). Contudo, para os autores, o produto mais promissor do MB é a demonstração dos processos proximais (PP), que representam uma espécie de motores do desenvolvimento. Os autores definiram-nos como formas particulares de interação entre organismo e ambiente imediato que operam com o tempo. Esses processos foram postulados como os mecanismos primários que produzem o desenvolvimento humano. Dentro de certos limites, o ser humano, por meio deles, têm alterado a natureza e o curso de seu próprio desenvolvimento como espécie (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006). São formas duradouras de interações regulares entre pessoas, objetos e símbolos por períodos de tempo determinados. No microssistema (p. ex., ambiente familiar e escolar), a pessoa experiencia, percebe e confere significado aos PP (DESSEN; MACIEL, 2014).
Não obstante, para compreender a dinâmica e poder dos PP, é preciso considerar os outros três construtos da teoria: 1) as características da pessoa (CP) em desenvolvimento; 2) a influência do microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema, isto é, contextos ambientais imediatos e mais remotos); e 3) o papel dos períodos de tempo em que os PP ocorrem (cronossistema) (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
No que tange às CP, assevera-se que elas são produtoras e produtos do desenvolvimento ao influenciarem a forma, a força, o conteúdo e a direção dos PP (DESSEN; MACIEL, 2014). Bronfenbrenner e Morris (2006) destacam três dessas características pela sua capacidade de afetar a direção e o poder dos PP ao longo da vida e pela sua influência na definição do curso do desenvolvimento futuro (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998). A primeira delas diz respeito às disposições, que oferecem ou não movimento e viabilidade operativa aos PP e que podem ser características geradoras ou comportamentos ativos (p. ex., curiosidade, tendência para se engajar em atividades individuais ou grupais, resposta à iniciativa de outros e autoeficácia) e disruptivas/inibidoras ou comportamentos passivos [impulsividade, explosividade, dificuldade de manter o controle e a integração do comportamento em diferentes domínios (NARVAZ; KOLLER, 2004), apatia, desatenção, irresponsabilidade, insegurança, timidez excessiva etc.], sendo que estas dificultam o processo de desenvolvimento (DESSEN; MACIEL, 2014). A segunda abrange os recursos bioecológicos que moldam as competências (p. ex., capacidades, experiências, conhecimentos e habilidades) ou deficiências (p. ex., problemas genéticos, baixo peso, deficiências físicas ou mentais) que modulam o funcionamento efetivo dos PP. Como terceira característica, propõem as demandas pessoais que desencadeiam ou desencorajam reações do ambiente social, estimulando ou inibindo a operação dos PP (BRONFENBRENNER & MORRIS, 2006), incluindo características pessoais, como aparência física, comportamento, atributos demográficos (p.ex., idade, gênero e etnia) que podem influenciar positiva ou negativamente as reações do ambiente (DESSEN; MACIEL, 2014).
Os PP também estão diretamente relacionados ao desenvolvimento das capacidades do indivíduo, uma vez que as CP incluem tanto a sua cognição em contexto quanto suas características socioemocionais e motivacionais como resultado da interação conjunta dos atributos determinados biopsicologicamente e aqueles construídos na sua interação com o ambiente (BRONFENBRENNER, 1992). À medida que as crianças crescem, suas capacidades de desenvolvimento se expandem em nível e amplitude e, consequentemente, os PP correspondentes para continuarem efetivos devem se tornar mais extensivos e complexos no intuito de facilitar a realização dos potenciais evolutivos (DESSEN; MACIEL, 2014). As CP, portanto, podem estimular ou inibir o desenvolvimento, nenhuma o influencia de forma isolada, precisando, portanto, serem compreendidas em uma perspectiva mais abrangente.
Reformulando o modelo original (BRONFENBRENNER, 1979), o MB incorpora os três tipos de CP descritos anteriormente à definição do microssistema, incluindo as características das pessoas significativas, regulares e por longos períodos de tempo na vida da pessoa em desenvolvimento (pais, parentes, amigos íntimos, professores, mentores, colegas de trabalho, cônjuges etc.) (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006). Assim, a inclusão do microssistema reformulou a antiga metáfora dos quatro níveis ambientais na forma de estruturas concêntricas inseridas uma na outra, como espécie de Bonecas Russas (BRONFENBRENNER 1979), para diferenciar, expandir e integrar ainda mais a conceitualização original do ambiente.
O segundo construto-chave do MB, isto é, o contexto compreende a interação de quatro níveis ambientais (microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema). No núcleo central, o microssistema é definido como um intrincado conjunto de relações entre a pessoa e o ambiente imediato em que está inserida, considerando fatores como o número de participantes, as características físicas do lugar, as atividades desenvolvidas, os papéis sociais e as relações interpessoais em um determinado ambiente material e físico (RIBAS; MOURA, 2006). O MB enfatiza a contribuição direta dos PP para o desenvolvimento na interação não somente com pessoas, mas também com objetos e símbolos (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006), incluindo uma série de aspectos relevantes, como estética e nível de conforto, fatores contextuais importantes para o bem-estar da pessoa (LOMAS; HEFFERON; IVTZAN, 2016).
Em um nível mais abrangente, o mesossistema inclui interações, relações e processos (DESSEN; MACIEL, 2014) que ocorrem entre dois ou mais ambientes nos quais a pessoa em desenvolvimento participa ativamente e é continuamente modificada quando começa a participar deles (RIBAS; MOURA, 2006). Refere-se à interação entre microssistemas, reconhecendo que as pessoas existem em contextos interrelacionados que juntos afetam o funcionamento, os padrões de comunicação e outras influências bidirecionais (SHERIDAN et al., 2004). O exossistema, como uma extensão do mesossistema, abrange os ambientes dos quais a pessoa não participa diretamente, porém neles ocorrem eventos significativos que influem nela (RIBAS; MOURA, 2006). É a estrutura social mais ampla que influi nos microssistemas pessoais (BRONFENBRENNER, 1977). Refere-se essencialmente à comunidade em que se vive (LOMAS; HEFFERON; IVTZAN, 2016) e alude às relações e processos intercontextuais, em que pelo menos um desses mesossistemas não contém a pessoa em processo de desenvolvimento. Esse nível ultrapassa os contextos imediatos da pessoa ao incluir, por exemplo, estruturas sociais, formais e informais, como a rede social de apoio, comunidade e vizinhança, o trabalho dos pais e familiares, as instituições sociais, os meios de transporte e a comunicação em massa, as instalações e serviços de cuidado infantil e os espaços de recreação, cultura e exercício.
O macrossistema se refere a padrões institucionais abrangentes em escala nacional e internacional (BRONFENBRENNER, 1977). Inclui crenças, ideologias, religiões, valores, classes sociais, etnias e raças que, como padrões institucionais, sustentam a cultura em que a pessoa se desenvolve e são concebidos não apenas em termos estruturais, ou seja, sistemas econômico, social, educacional e político, mas como portadores de informação que, implícita e explicitamente, dão significado e motivação às redes sociais, aos agentes particulares e aos papéis e atividades sociais (DESSEN;& MACIEL, 2014). Outrossim, Lomas, Hefferon e Ivtzan (2016) incluem o ecossistema refletindo a ideia de que todos os outros níveis estão incorporados em um contexto ainda maior da biosfera.
Bronfenbrenner e Morris (2006) consideram como significativa a crescente agitação e instabilidade nos principais ambientes em que a competência e o caráter humanos são modelados (crises sociais, políticas e financeiras frequentes advindas de uma globalização fragmentada, influência da mídia digital e avanços tecnológicos e científicos etc.), impactando na família (papéis familiares e cuidados com as crianças etc.), na educação, na sociedade em geral etc. Por isso, o modelo de Bronfenbrenner de 1979 que pouco menciona a dimensão do tempo foi reformulado, sendo que o MB (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006) incluiu o quarto e último construto: o cronossistema. Ele permite examinar as mudanças e continuidades que ocorrem ao longo do ciclo de vida e sua influência sobre o desenvolvimento humano. O cronossistema representa um aspecto chave do modelo proposto por Bronfenbrenner ao ultrapassar o curso de vida da pessoa e incluir toda a história da sociedade. O autor define o cronossistema como a mudança ou consistência ao longo do tempo das características da pessoa e do ambiente em que essa pessoa vive (BRONFENBRENNER, 1994) e é constituído por três níveis: microtempo; mesotempo; e macrotempo (NARVAZ; KOLLER, 2004).
No primeiro nível, microtempo, Bronfenbrenner e Morris (2006) se referem às continuidades e descontinuidades observadas em episódios dos PP que ocorrem com regularidade e em ambientes estáveis. Já o mesotempo inclui intervalos mais amplos e cujos efeitos cumulativos produzem resultados significativos para o desenvolvimento. No nível do macrotempo, o foco recai nas expectativas e mudanças de uma sociedade ao longo de gerações, considerando como esta influi e é influenciada pelos processos e resultados do desenvolvimento no curso de vida (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006); (DESSEN; MACIEL, 2014).
Considerando o MB como um modelo robusto e abrangente, é necessário utilizar também um modelo que considere com mais especificidade dotação e talento (D&T) e que incorpore e articule o fator tempo e as mudanças sociais e históricas no processo de desenvolvimento. Crawford, Snyder e Adelson (2019) argumentam que o IMTD possui essas características.
Modelo Integrativo de Desenvolvimento de Talentos
Os principais construtos DMGT são compostos pelo trio básico (GAGNÉ, 2013b), quais sejam, dotação, talento e Processo de Desenvolvimento, e dois elementos adicionais denominados catalisadores intrapessoais e ambientais, que possuem o papel de facilitadores no processo de desenvolvimento (Figura 1).
Ainda que sejam separados teoricamente, são construtos relacionados e interdependentes uma vez fazem parte de um processo que corresponde ao progressivo desenvolvimento da dotação em talentos (GAGNÉ, 2013b). O DMGT foi criado para assinalar a distinção entre D&T. Nele, a dotação é definida como a posse e uso de capacidades naturais sobressalentes ancoradas biologicamente e desenvolvidas informalmente (GAGNÉ, 2018) em um grau que coloca a pessoa entre os 10% melhores de seus pares. Já o talento é considerado como o domínio dessas habilidades ou competências a partir de um desenvolvimento sistemático que se manifestam em pelo menos um campo da atividade humana e que aloca a pessoa entre os 10% mais destacados na sua especialidade (GAGNÉ, 2013a).
Figura 1. Modelo Diferencial de Dotação e Talento (baseado em Gagné, 2015).
Gagné (2015) considera que ambos conceitos implicam um processo integral e dinâmico em que se distinguem dois momentos: no primeiro, isto é, G (dotação), observa-se o potencial e a capacidade, com ênfase no futuro; e, num segundo momento, ou seja, T (talento), há a fase de realização de aptidões ou competências, com ênfase no presente. Refere-se, portanto, à avaliação diferencial entre aptidões e realizações, apesar de ambas constituírem alguma forma de desempenho. Como comenta Gagné (2013a), não existem necessariamente medidas de diferenciação de ambos momentos ao serem parte de um processo mais abrangente.
Angoff (1988) propôs dez características diferenciadoras entre aptidões (capacidades) e medidas de realização (habilidades) que incluem três elementos: conteúdo, processos e propósito. Nesse sentido, no que se refere ao seu conteúdo, Gagné (2013b) considera que as aptidões (capacidades naturais ou dotação) são mais gerais e representam aquisições mais antigas. No que concerne às competências (habilidades sistematicamente desenvolvidas ou talento), elas possuem um conteúdo mais específico e representam aquisições recentes e sua transferência para outras situações. No que se refere aos processos, as capacidades possuem um fundamento genético com um desenvolvimento mais lento, são resistentes à estimulação e aprendidas mais informalmente. As competências, porém, possuem um componente centrado na prática, desenvolvem-se mais rapidamente, são suscetíveis à estimulação e aprendidas mais formalmente. Finalmente, quanto ao propósito, as capacidades são prospectivas (previsão de aprendizado futuro) enquanto as competências são de uso retrospectivo (avaliando o aprendizado), limitadas a pessoas sistematicamente expostas a aprendizagem formal (ABAD; ABAD, 2020).
Outro elemento importante do DMGT diz respeito à prevalência de D&T e à necessidade de um consenso entre os profissionais a esse respeito. No artigo A Proposal for Subcategories within Gifted or Talented Populations (1998) Gagné utilizou o 90º percentil e o sistema métrico como como limiar para a D&T no DMGT. Dentre as razões para essa escolha, o autor considerou que uma expressão matemática seria mais fácil de entender para aqueles que não estão familiarizados com a psicometria e que essa proporção se aproxima do ponto médio da gama de sugestões observadas nas pesquisas (GAGNÉ, 2013b). Considerou cinco níveis estruturados hierarquicamente, cada um deles incluindo os 10% superiores: moderadamente superior (10%); superior (1%); altamente superior (1:1.000); excepcionalmente superior (1:10.000); e extremamente ou profundamente superior (1:100.000) (GAGNÉ, 2013a).
Pelo fato de as capacidades naturais geralmente se manifestarem na infância ou na adolescência, existem observadores leigos que acreditam que são inatas. Porém, Gagné não compartilha desse ponto de vista. Ele considera que as capacidades naturais não têm essa característica (GAGNÉ, 2016). Para ele, a dotação se observa mais facilmente em crianças pequenas porque as atividades sistemáticas de aprendizado formal ainda não a transformaram em talentos específicos. Os traços de dotação aparecem por meio do exercício informal e dos processos de maturação (GAGNÉ, 2013a). O componente G agrupa as capacidades naturais em seis subcomponentes denominados domínios: quatro pertencentes ao domínio mental (intelectual, criativo, social, perceptivo) e dois ao domínio físico (muscular, controle motor) (GAGNÉ, 2015).
A dotação possui um conteúdo mais geral do que o talento, tem um substrato genético e se desenvolve mais lentamente que este. Contudo, Gagné (2015) pondera que a característica mais sobressalente das pessoas com dotação é a facilidade e a rapidez no aprendizado e a facilidade de utilizar suas capacidades naturais no processo de aprendizagem. Isso as diferencia de outras pessoas na sua mesma faixa etária. O talento é o resultado do processo do desenvolvimento e é produto de treinamento sistemático das capacidades naturais excepcionais (GAGNÉ, 2015). Com base nesse componente do DMGT, é possível compreender, por exemplo, o desenvolvimento de prodígios, isto é, a criança com habilidades desenvolvidas (Às vezes sem treinamento sistemático.) ao nível de um profissional adulto (ABAD; ABAD, 2020).
Gagné (2013a) considera que o processo de desenvolvimento de talento (D) é constituído por três subcomponentes: as atividades, o investimento e o progresso. O processo inicia quando uma criança, um adolescente ou um adulto se torna talentee [Neologismo utilizado por Gagné (2015) para descrever as pessoas que fazem parte ativa de um programa de desenvolvimento de talentos] depois de um processo de indicação ou identificação. A partir deste momento, o talentee tem acesso a um programa sistemático de longo prazo estruturado por uma série de atividades que incluem um conteúdo específico ou currículo e são facilitadas em um ambiente de aprendizado característico. Contudo, é possível que esse ambiente seja ou não estruturado, incluindo, desse modo, a aprendizagem autodidata (GAGNÉ, 2015; 2016).
O segundo subcomponente do D refere-se ao investimento, que está relacionado com a intensidade do processo de desenvolvimento, considerando o tempo, os recursos financeiros e a energia psicológica (GAGNÉ, 2013a). Finalmente o terceiro subcomponente alude ao progresso. Este está dividido em uma série de fases ou estágios: num processo total, desde o momento em que os talentees acessam o programa até o seu desempenho máximo. Assim sendo, o talentee pode ser classificado em: novato, avançado, proficiente e especialista. Contudo, seu ritmo é sua principal representação quantitativa (GAGNÉ, 2015).
Por conseguinte, o D está estruturado a longo prazo num programa de atividades de aprendizagem ancorado em um currículo acadêmico constantemente desafiador direcionado para a consecução de metas de excelência de alto nível. Segundo Gagné (2013a), o D precisa de intervenções oportunas, de um programa de treinamento/currículo enriquecido, do agrupamento das habilidades em período integral, do enriquecimento sistemático diário, de objetivos de excelência pessoal, de critérios de acesso altamente seletivos e de estimulação personalizada e acelerada.
Destarte, como produto do treinamento sistemático de capacidades naturais excepcionais, isto é, desenvolvimento (D), o talento representa o polo de desempenho no continuum potencial-desempenho (GAGNÉ, 2013a). Neste sentido, no que tange aos subcomponentes (domínios), o DMGT agrupa as competências (talento) utilizando a Tipologia de Estruturas Vocacionais (TEV) de Holland (GAGNÉ, 2015). A TEV considera que as preferências ocupacionais expressam características de interesse e de personalidade e, apesar de suas combinações permitirem até 720 diferentes padrões ou subtipos propõe seis tipologias principais: Realista, Investigativa, Artística, Social, Empreendedora e Convencional (RIASEC) (MCDERMOTT; DELL, 2014). Para completar esta taxonomia, Gagné (2015) adiciona três subcomponentes: disciplinas acadêmicas pré-ocupacionais, jogos e esportes.
Os dois elementos adicionais do trio básico proposto por Gagné (2013b) são denominados catalisadores intrapessoais (I) e ambientais (E), que possuem o papel de facilitadores no processo. O autor utiliza o conceito de catalisadores emprestado do campo da química para se referir metaforicamente ao papel facilitador dos elementos que estão envolvidos indiretamente em um processo químico (ABAD; ABAD, 2020). Como concepção análoga, os catalisadores influenciam o desenvolvimento (D) (Gagné, 2015) e se dividem em: intrapessoais, – ou seja, características individuais que definem aos próprios talentees; e ambientais, isto é, – onde o processo de desenvolvimento se desenrola.
Na primeira dimensão dos catalisadores intrapessoais (I), encontram-se, por um lado, tanto os traços físicos (p. ex., aparência geral, características raciais ou étnicas, deficiências, doenças crônicas etc.) quanto os mentais (p. ex., temperamento, personalidade etc.), que influenciam no processo de desenvolvimento de talento (GAGNÉ, 2015). Por outro lado, na segunda dimensão, na qual podem ser observados os processos orientados para objetivos ou gerenciamento de metas, incluem-se três subcomponentes: Consciência, Motivação e Volição. No que diz respeito ao primeiro subcomponente, é importante salientar que o termo em inglês utilizado por Gagné (2013a) para consciência é awareness que em sua acepção original está relacionado com a percepção ou conhecimento de uma situação ou fato, de “dar-se conta”. Nesse sentido, quando a pessoa é ciente de seus pontos fortes e fracos e reconhece a influência dos fatores intrapessoais e ambientais, o processo de desenvolvimento de seus talentos é facilitado (ABAD; ABAD, 2020).
A diferenciação entre os subcomponentes Motivação e Volição é uma das características que robustece o modelo DMGT. Nesse sentido, Gagné (2015) utiliza a Teoria de Controle da Ação (Action Control Theory) para explicar como as pessoas se comprometem com as metas, especificando as estratégias do processamento pré-decisional e pós-decisional. Esta teoria inclui um dos tópicos que mais interessam aos pesquisadores educacionais no campo da formação docente: as capacidades conativas (motivação e volição), que podem explicar as diferenças individuais na aprendizagem e no desempenho (CORNO, 1993). Para Gagné (2013a), existe uma diferença entre atividades de identificação de objetivos (Motivação) e de obtenção de metas (Volição). No que se refere a como atingir o objetivo, o conceito de volição inclui o esforço e os processos de concentração e atenção. Desse modo, ajudam o processo de aprendizagem.
Gagné (2013a) comenta, em relação aos catalisadores ambientais (E), que estes podem ser divididos em três subcomponentes: Meio, Indivíduos e Recursos. O primeiro pode ser analisado de acordo com vários níveis, tendo como base os estímulos que os talentees priorizam. Inclui uma diversidade de influências ambientais: físicas (p. ex., clima e vida rural versus clima e vida urbana etc.); sociais; políticas; financeiras; e culturais (GAGNÉ, 2015). Inclusive, pode ser examinado em níveis macroscópicos (p. ex., geográficos, demográficos e sociológicos) e microscópicos (p. ex., tamanho da família, status socioeconômico e estrutura familiar) (GAGNÉ, 2013a). O segundo subcomponente se refere à influência psicológica de pessoas importantes no ambiente imediato das pessoas com dotação, como pais, irmãos, professores, treinadores, pares, mentores ou figuras públicas adotadas como modelos (GAGNÉ, 2015). Finalmente, o subcomponente Recursos, trata de facilitadores do desenvolvimento de talentos, incluindo as facetas tradicionais de enriquecimento curricular, práticas administrativas e conteúdo (GAGNÉ, 2015).
O Modelo de Desenvolvimento das Capacidades Naturais
Gagné, ao refletir sobre a influência das capacidades naturais e suas raízes biológicas, observou que precisava considerá-las em algum lugar do DMGT. Destarte, desenvolveu o Modelo de Desenvolvimento das Capacidades Naturais (DMNA) respondendo às seguintes questões fundamentais: Onde os fundamentos biológicos das características humanas se acomodam em um processo global de desenvolvimento de talentos? Como as capacidades naturais se desenvolvem? Especialmente durante os primeiros estágios da vida? E por que não é adequado considerar as capacidades naturais como inatas? (GAGNÉ, 2015). Com intuito de responder essas questões, o autor realizou algumas alterações teóricas, dentre elas: determinar a base biológica do DMGT, considerando as principais categorias e níveis; explicitar a interação dinâmica entre as bases biológicas e outras influências responsáveis pelo desenvolvimento de capacidades naturais – DMNA; e criar o Modelo Integrativo de Desenvolvimento de Talentos (IMDT) como a síntese do DMGT e do DMNA (GAGNÉ, 2015).
A base biológica das capacidades naturais se manifesta de diversas maneiras: expressão gênica em proteínas; características anatômicas ou morfológicas; atividade neurofisiológica; e outros processos (GAGNÉ, 2013a). No que tange ao “lugar” ocupado pelos fundamentos biológicos das características humanas no processo global de desenvolvimento de talentos, Gagné (2013a) propõe o DMNA (Figura 2) como uma organização hierárquica em três níveis: base química inferior ou fundações genotípicas; o embasamento fisiológico (p. ex., processos microbiológicos e fisiológicos); e o embasamento morfológico superior (características anatômicas que podem afetar as capacidades ou os catalisadores intrapessoais). Descreve as bases biológicas do modelo utilizando a metáfora de um prédio.
Figura 2. Bases biológicas do modelo DMNA (Baseado em Gagné, 2015).
Modelo Integrativo de Desenvolvimento de Talentos
Como culminação de suas reflexões teóricas, Gagné (2016) integrou o DMGT e o DMNA em um modelo que mostra como o Desenvolvimento de talentos tem suas origens no surgimento progressivo de capacidades naturais, desde o complexo processo de embriogênese. Ele considera que elas tomam forma lentamente em diferentes níveis de expressão de uma pessoa para outra, graças aos facilitadores denominados de catalisadores (GAGNÉ, 2013a; 2018) (Figura 3).
Figura 3. Modelo Integrativo de Desenvolvimento de Talentos (IMTD) (Baseado em Gagné, 2015).
Interfaces entre o Modelo Bioecológico e o Modelo Integrativo de Desenvolvimento do Talento
Como evidenciado por Abad e Barbosa (2019), o Modelo Bioecológico e o Modelo Integrativo de Desenvolvimento do Talento possuem elementos convergentes, porém pouca atenção tem sido dada a essas interfaces. Assim, com o intuito de contribuir para uma visão mais crítica, integrada e abrangente dos processos de indicação, identificação e desenvolvimento de D&T, são apresentadas algumas articulações entre os modelos segundo três eixos: 1) Processos Proximais (PP) e Processo de Desenvolvimento de D&T (D); 2) Características Pessoais e Catalisadores Intrapessoais (I); 3) Cronossistema e Progresso do desenvolvimento de D&T.
Processos Proximais e Processo de Desenvolvimento de Talentos
Gagné (2015) considera, no IMTD, o talento como o resultado do treinamento sistemático das capacidades naturais excepcionais ou, em outros termos, do fato de a pessoa com dotação estar em uma atividade relacionada a suas capacidades de forma regular, por períodos prolongados de tempo e com atividades progressivamente mais desafiadoras que estimulem, dessa maneira, seu interesse e comprometimento com a tarefa – atividades, progresso e investimento (GAGNÉ, 2015). Consequentemente, os três subcomponentes propostos por Gagné são compatíveis com os PP no MB, conceito que se refere aos fatores de desenvolvimento humano em geral (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006) ao talento em particular, que abrangem a necessidade de a pessoa estar engajada em uma atividade, a interação acontecer regularmente em períodos prolongados de tempo, as atividades serem progressivamente mais complexas, que a reciprocidade ocorrer nas relações interpessoais e os símbolos presentes no ambiente imediato estimularem a pessoa em desenvolvimento (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998).
No MB, evidencia-se a influência da teoria de Vygotsky (1998) no que se refere ao conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), que diz respeito à distância entre o estado de desenvolvimento real ou atual da pessoa e de seu potencial. Quanto à perspectiva de Gagné, é possível estabelecer analogias entre ZDP e D. Nesse sentido, Bronfenbrenner e Morris (1998) consideram a importância tanto da reciprocidade das relações interpessoais da pessoa em desenvolvimento quanto a necessidade de que os símbolos presentes no ambiente imediato estimulem a sua atenção, exploração, manipulação e imaginação.
Os PP (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998) e o D (GAGNÉ, 2015) possuem elementos convergentes, como mencionado anteriormente. Além disso, o IMTD se beneficia é complementa com o MB ao considerar que, no processo de desenvolvimento de talentos, as atividades têm significado em um determinado contexto social e cultural e são influenciadas, construídas e transformadas nas trocas com outras pessoas dotadas e membros do grupo social. Por seu turno, Ribas e Moura (2006) advertem que Bronfenbrenner, ao observar os símbolos presentes no ambiente imediato como estímulos para a pessoa em desenvolvimento, considera instrumentos, signos e práticas culturais como mediadores, carregados de significação cultural.
Características Pessoais e Catalisadores Intrapessoais
No IMTD, as manifestações da base biológica das capacidades naturais (p. ex., genética, endo e exo-fenótipos) estão organizados hierarquicamente em três níveis (fundações genotípicas, embasamento fisiológico e embasamento morfológico superior) que afetam diretamente os I e, portanto, o desenvolvimento das capacidades naturais excepcionais ou dotação G (GAGNÉ, 2013a). Para o MB, a hereditariedade passa a ser elemento chave, pois os PP são vistos como os mecanismos por meio dos quais genótipos se transformam em fenótipos (KREBS; COPETTI; BELTRANE, 1997).
Bronfenbrenner & Morris (1998) consideram que as características pessoais não possuem, por si próprias, nenhuma disposição seletiva para a ação, porém influenciam a capacidade de um organismo se ocupar efetivamente em PP. Podem, por um lado, se manifestar como limitações, rompendo a integridade funcional de um organismo (p. ex., defeitos genéticos, danos cerebrais causados por acidentes, dificuldades físicas, processos degenerativos ou doenças severas persistentes), ou como capacidades (p. ex., destrezas, experiências pessoais e conhecimentos que se estendem a domínios em que os PP fazem seu trabalho construtivo) (COPETTI; KREBS, 2004). Nesse sentido, as características pessoais podem fomentar ou interromper os PP no processo de desenvolvimento da G, ao serem forças geradoras ou desorganizadoras que afetam a direção e o poder deles (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998).
As CP destacadas por Bronfenbrenner e Morris (1998) são condizentes com o conceito de I de Gagné (2015) já que se referem ao papel facilitador ou dificultador das características que definem aos próprios talentees e que influenciam no D. Assim, a primeira (disposições) oferece movimento e viabilidade operativa – ou não – aos PP e podem ser características geradoras ou disruptivas/inibidoras (NARVAZ; KOLLER, 2004), A segunda (recursos biológicos) constitui capacidades que facilitam ou dificultam o funcionamento efetivo dos PP. Ademais, as características pessoais desencadeiam ou desencorajam reações do ambiente social – p. ex., aparência física atrativa versus sem graça, bebês agitados versus felizes, passividade versus hiperatividade (COPETTI; KREBS, 2004), – estimulando ou inibindo os PP (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006).
Cronossistema e Progresso do desenvolvimento de Talentos
Bronfenbrenner e Morris (2006), considerando as mudanças e a instabilidade dos principais ambientes em que as competências e caráter humanos são modelados, incluem, no MB, o cronossistema, que permite examinar as mudanças e continuidades ao longo do curso de vida e sua influência sobre o desenvolvimento humano. O cronossistema representa um aspecto chave do modelo de Bronfenbrenner, já que transcende a dimensão pessoas, incluindo a história da sociedade. O autor define o cronossistema como a mudança ou consistência ao longo do tempo, das características da pessoa e do ambiente em que essa pessoa vive (BRONFENBRENNER, 1992) e é constituído por três níveis: microtempo; mesotempo; e macrotempo (NARVAZ; KOLLER, 2004). Já o IMTD utiliza a variável tempo ao descrever o processo de desenvolvimento de talentos considera o progresso dos D&T como uma série de fases organizadas numa trajetória de desenvolvimento de longo prazo marcada por uma série de transformações mais ou menos cruciais (GAGNÉ, 2013a). O IMTD se concentra nas duas primeiras dimensões cronológicas (microtempo e mesotempo). Por sua vez, o MB dedica atenção especial ao macrotempo, que se refere às mudanças de expectativas e eventos na sociedade em geral dentro e através das gerações (BRONFENBRENNER; MORRIS, 2006), considerando os símbolos, práticas, atividades e instrumentos desde uma perspectiva tanto sincrónica, quanto diacrónica. Assim, ambos se mostram complementares.
Considerações Finais
MB e IMTD possuem vários elementos convergentes. Todavia, como evidenciado na revisão sistemática de Abad e Barbosa (2019), pouca atenção tem sido dada a essas interfaces. Em síntese, as articulações entre os modelos centram-se em três eixos: 1) Processos Proximais e processo de desenvolvimento de Talentos; 2) Características Pessoais e catalisadores intrapessoais; 3) cronossistema e progresso temporal do desenvolvimento de talentos.
Essas articulações são decorrentes da inter-relação entre as dimensões individual, social e cultural no processo de desenvolvimento humano. Por conseguinte, ressalta-se a importância de estudar os processos de desenvolvimento normativo e idiossincrático em um modelo integrado, que contribua para uma visão mais crítica e abrangente na indicação, identificação e desenvolvimento de D&T.
Considera-se, também, que o MB completa e robustece o modelo de Gagné, ao considerar as mudanças nas sociedades e ao longo de gerações (macrotempo); fatores vitais para entender o processo de desenvolvimento de D&T tanto por uma perspectiva sincrônica, quanto um prisma diacrônico. Ademais, parafraseando a Vygotsky (1998), complementa-se que o homem, ao alterar o meio ambiente, modifica sua própria natureza humana. Assim, o desenvolvimento social e tecnológico é produto e produtor de D&T.
Referências
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