Vanessa Clementino Furtado
Universidade Federal de Mato Grosso e Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Cuiabá — MT Brasil
Resumo
O presente artigo visa a apresentar uma análise onto-histórica do modelo kraepeliniano de diagnóstico em saúde mental. Emil Kraepelin, fundador da Psiquiatria Moderna, utilizando-se do modelo wundtiano de introspecção, desenvolveu um método de diagnóstico que é referência até os dias atuais, na forma hegemônica de se fazer diagnóstico em saúde mental, por ser considerada uma teoria “neutra” e “a‑histórica”. Contudo, o que pretendemos demonstrar neste trabalho é que o modelo kraepeliniano não é nem a‑histórico, tampouco, neutro. Para tanto, analisamos seus referenciais epistemológicos buscando desvelar sua ontologia e, com base na Ontologia do Ser Social de Lukács, da teoria marxiana sobre a natureza do ser humano e dos apontamentos que Vygotski tece acerca do modelo kraepeliniano, pretendemos captar e apresentar os limites teórico-metodológicos de Kraepelin, e traçar caminhos de análise que possam auxiliar na apreensão do fenômeno das psicoses em sua totalidade, a partir do conhecimento de sua realidade.
Palavras-Chave: Método kraepeliniano; Ontologia do Ser Social; Psicoses
Resumen
Este artículo tiene como objetivo presentar un análisis ontohistórico del modelo diagnóstico kraepeliniano en salud mental. Emil Kraepelin, fundador de Modern Psychiatry, utilizando el modelo de introspección de Wundt, desarrolló un método de diagnóstico que es un referente en la actualidad, en la forma hegemónica de hacer diagnósticos en salud mental, ya que se considera una teoría “neutral” y “a‑histórico”. Sin embargo, lo que pretendemos demostrar en este trabajo es que el modelo kraepeliniano no es ni a‑histórico ni neutral. Para ello, analizamos sus referentes epistemológicos buscando develar su ontología y, a partir de la Ontología del Ser del Lukács, de la teoría marxista sobre la naturaleza del ser humano y de los apuntes que hace Vygotsky sobre el modelo kraepeliniano, pretendemos captar y presentar los límites teórico-metodológicos de Kraepelin, y trazar caminos de análisis que puedan auxiliar en la aprehensión del fenómeno de las psicosis en su totalidad, a partir del conocimiento de su realidad.
Palabras clave: método kraepeliniano; Ontología del Ser Social; psicoses
Abstract
This article aims to present an ontohistorical analysis of the Kraepelinian diagnostic model in mental health. Emil Kraepelin, founder of Modern Psychiatry, using Wundt’s introspection model, developed a diagnostic method that is currently a reference, in the hegemonic way of making diagnoses in mental health, since it is considered a “neutral” theory and “a‑historical”. However, what we intend to demonstrate in this paper is that the Kraepelinian model is neither a‑historical nor neutral. To do this, we analyze its epistemological references seeking to reveal its ontology and, based on Lukács’s Ontology of Being, the Marxist theory on the nature of the human being and Vygotsky’s notes on the Kraepelinian model, we intend to capture and present the theoretical-methodological limits of Kraepelin, and trace paths of analysis that can help in the apprehension of the phenomenon of psychosis in its entirety, from the knowledge of its reality.
Keywords: Kraepelinian method; Ontology of the Social Being; psychosis
Introdução
Neste artigo visamos a apresentar uma análise ontológica e histórica das contribuições Emil Kraepelin à luz do debate crítico e dialético, trazendo contribuições do referencial vygotskiano, bem como do escopo teórico-crítico produzido a partir do método materialista histórico e dialético e da compreensão da ontologia do Ser Social de Lukács.
A escolha desse autor –Kraepelin– se dá justamente porque é seu trabalho que fundamenta a Psiquiatria Moderna. Deste modo, calcadas no método materialista histórico e dialético, buscamos analisar como o contexto histórico e social da Alemanha no final do século xix e início do século xx, bem como, os debates científicos da época em torno da relação entre ciência da natureza e ciência do espírito, influenciou a produção teórico-metodológica de Kraepelin.
Para esta pesquisa se tomou como objeto de análise o desenvolvimento do método de diagnóstico desenvolvido por Kraepelin, baseado na Psicologia Experimental e no Paralelismo Psicofísico de Wundt, a partir do qual ele desenvolveu o diagnóstico diferencial entre as psicoses-demência precoce e psicose maníaco depressiva. Isto porque, é a partir dessas investigações que o autor pôde construir, então, as bases da moderna Psiquiatria, como afirmam Heckers, Engstrom e Kendler (2021); Shorter (2015); Berrios e Hauser (2013); Jablensky (2207); Decker (2007).
A análise ontológica e histórica desse fenômeno e como esta manifestação de sofrimento psíquico vem sendo tratada pelas áreas das ciências da saúde de forma hegemônica, baseada, ainda, nos fundamentos kraepelinianos, é essencial para que possamos compreender as formas, não apenas, como a ciência tem se ocupado deste tipo de problema no campo da teoria, mas também na prática.
Emil Kraepelin e o desenvolvimento da Psiquiatria moderna
As primeiras descrições sobre o fenômeno de transtorno mental que acomete jovens, adolescentes, recém iniciados na idade adulta, hoje chamada esquizofrenia, são feitas por Morel em 1851, quando ele relata estados sucessivos de decadência cerebral na entrada da idade adulta. Já em 1896, Kraepelin denomina estes estados descritos como dementia praecox, e estabelece que os critérios essenciais discriminativos deste diagnóstico eram evolutivos e poderia chegar até um quadro grave de degeneração cerebral. O modelo diagnóstico de Kraepelin representa um salto qualitativo na taxonomia, epidemiologia e diagnóstico em psiquiatria em relação aos modelos vigentes na época, como Esquirol e Morel.
Esse é o modelo diagnóstico que dominou todo o início do século xx e se tornou a principal base para as alterações sofridas, em 1980, pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria-APA o DSM que, naquele momento, estava em vias de publicação de sua terceira edição. De acordo com Shorter (2015): “Com seu famoso livro-texto, a partir de 1883, Kraepelin concebeu a primeira classificação moderna de doenças psiquiátricas; muitos elementos foram incorporados ao DSM, e Kraepelin se eleva hoje sobre o campo da mesma forma que Freud fez uma vez.” (p. 21). Neste sentido Heckers et ali. (2021) afirmam: “A estrutura e o mapa conceitual de nosso atual sistema de diagnóstico em psiquiatria remontam a Emil Kraepelin (1856–1926).” (p. 01).
Esta alteração marca a forte influência do movimento denominado “neo-kraepeliniano” que a psiquiatria carrega até os dias atuais. Esta mudança representou, na prática, a exclusão das interpretações psicanalíticas[1] e/ou subjetivistas dos sofrimentos psíquicos nos manuais de diagnósticos psiquiátricos, sob a justificativa da lógica neutralidade científica, (re)posicionando a psiquiatria no campo das ciências modernas de observação e análise de dados, bem como, sob influência dos novos tratamentos que surgiam na época, por exemplo, o uso da insulina para diabetes, como aponta Shorter (2015): “Os novos tratamentos colocaram em risco a primazia da psicanálise, com sua limitada paleta diagnóstica de “psiconeurose”, e desencadearam um novo gosto por “cortar a natureza nas articulações”, ou encontrar diagnósticos que correspondam a entidades de doenças naturais.” (p. 22)
Novamente, na história da psiquiatria, se vê os esforços de seus pesquisadores em caminhar ao lado das ciências médicas em geral, importando, inclusive seus métodos de tratamento, que agora eram possíveis por meio da injeção de substâncias sintetizadas pelos laboratórios farmacêuticos. Assim, retomar o modelo kraepeliniano que tinha também por objetivo acompanhar as outras áreas da ciência médica, mas além disso, tal como as outras áreas da medicina, compreende a patologia como desenvolvimento natural, inscrita em um substrato biológico cuja pesquisa empírica e descrição sintomatológica deveria, portanto, seguir os padrões das ciências naturais.
Neste sentido, Heckers et ali. (2021) afirmam: “Como avaliamos o estado da psiquiatria agora, 100 anos após o artigo de Kraepelin? Por um lado, o debate sobre a validade e utilidade da classificação psiquiátrica continua inabalável.: (p. 06)
São estas as ideias que balizam os esforços para a produção do manual de psiquiatria em sua terceira edição, como avalia Decker (2007):
O DSM-III e o DSM-III‑R foram classificações neo-kraepelinianas por serem descritivos, evitando etiologias psicanalíticas, enfatizando que a psiquiatria era decididamente uma parte da medicina e enfatizando a importância de estudos de seguimento e histórias familiares. Os DSMs, no entanto, não seguiram Kraepelin de uma maneira importante: eles se recusaram a especular sobre a etiologia, algo que Kraepelin fez livremente. (p. 354)
Assim, validando a afirmação de BERRIOS & HAUSER (2013): “A dicotomia kraepeliniana (de demência precoce e da loucura maníaco-depressiva) continua a ser consagrada no pensamento psiquiátrico e, com poucas exceções, controla as pesquisas neuroquímicas e genéticas. A psiquiatria ainda vive em um mundo kraepeliniano e seus praticantes não podem escapar da ofuscante adoção de sua ‘episteme.” (pág. 127).
Freitas e Amarante asseveram:
Mas por que Kraepelin, e não Freud, Bleuler ou Jaspers — outros grandes nomes da área psi? Simplesmente porque a ele devemos a abordagem até hoje dominante para a construção de categorias diagnósticas. E qual a lógica aplicada por ele? A mesma da medicina, em geral; aquela com qual qualquer estudante de medicina lida desde o início de seus estudos, qual seja: processos semelhantes de doenças levam a manifestações semelhantes — sob a forma de sintomas; o que, por sua vez, implica uma suposta anatomia patológica, bem como uma suposta etiologia. (FREITAS & AMARANTE, 2015 p.48–49)
A importância de Kraepelin, portanto, está para além do conceito de “Dementia Praecox” no campo da Psiquiatria, mas a história do desenvolvimento deste conceito pelo autor se confunde mesmo com a história da própria psiquiatria moderna enquanto ciência. Podemos afirmar que: é com Kraepelin que a Psiquiatria alcançará status de ciência, aos moldes positivista, apoiando-se no referencial teórico-metodológico da recém criada ciência psicológica de Wundt. Por esta razão, ele é considerado criador da Psiquiatria Moderna, pois foi quem desenvolveu uma forma metodológica de diagnóstico dos sofrimentos psíquicos, que lhe permitiu solucionar um dos principais dilemas da psiquiatria de sua época: a diferenciação entre a demência precoce e a psicose maníaco depressiva.
Kraepelin, compreendia a importância das bases biológicas e, sobretudo, dos processos fisiológicos cerebrais como base para os processos psicológicos. Pelo princípio do paralelismo psicofísico, no entanto, ele entendia que, embora os processos cerebrais fossem importantes para a compreensão dos psicológicos, estes não podiam ser reduzidos àqueles.
E, a partir das observações que faz de seus pacientes, ele traça um rigoroso sistema metodológico para estas observações dos quadros clínicos, tanto dos comportamentos pregressos como da evolução do quadro a partir da manifestação inicial dos sintomas. Estas observações tinham como base metodológica a Psicologia Experimental, cuja finalidade era descartar as impressões subjetivas e metafísicas acerca dos sintomas expressos e, assim, traçar, as leis fundamentais do desenvolvimento dos transtornos mentais.
De acordo com CAPONI (2011): “Kraepelin adverte que todo estudante deve compreender que a formulação de perguntas gerais é inadequada, e que uma correta anamnese será aquela que se desenvolva com perguntas específicas, bem dirigidas, que não deixem lugar para a fala do paciente”[2] (p. 836)
Aqui podemos notar como se expressa seu compromisso com a objetividade, a ponto de impedir que a própria pessoa fale além do estritamente necessário para identificação dos sintomas, porém, o esforço para eliminação do subjetivismo não quer dizer que Kraepelin desconsiderasse o sujeito da experiência, mas sim, compreendia sua relação a partir de fatos objetivos e não interpretativos. É necessário, pois, entendermos esses caminhos metodológicos de modo mais aprofundado, esmiuçar suas bases ontológicas para, a partir daí, traçarmos nossas críticas.
Kraepelin viveu na Alemanha de Bismarck, no período de intenso desenvolvimento das neurociências, quando surgiam os primeiros estudos que relacionam os sintomas de sofrimento psíquico à localizações estritas no cérebro. É também o período de desenvolvimento da chamada Ciência Psicológica, cujo principal expoente é Wilhelm Wundt (1832–1920). E Kraepelin não passa indiferente a estas teorias para desenvolver seu método diagnóstico, ele foi estudante no laboratório Leipzig de Wundt e foi, então, a partir do método wundtiano que alicerçou as bases de sua psiquiatria.
O método introspeccionista é um método de análise da consciência que consiste em uma forma de análise do fenômeno aparente que, distanciando-se das impressões subjetivas, poderia melhor descrever o fenômeno psicológico. Wundt não apenas vai criticar todo o acúmulo de conhecimento produzido sobre a ciência do espírito, como vai trazer seu eixo central, ou seja, seu objeto e método de investigação para o campo do que era considerado o saber científico da época. Dessa forma, busca desenvolver metodologias de análise similares às da ciências da natureza ou melhor, da physis, para a investigação da psique.
Entendendo, ambas as ciências (da physis e da psique) como complementares para a compreensão da experiência, sendo que uma se destina a entender o objeto da experiência e a outra o sujeito da experiência, chegaria-se assim, segundo Wundt (1911/2018), a melhor compreensão da realidade: “A separação das regiões da experiência em ciência natural e em psicologia — ou, de forma mais geral, em ciência da natureza e em ci6encia do espírito — está prefigurada na composição originária de toda experiência, cujos fatores são objetos da experiência e um sujeito da experiência.” (p. 50)
Assim, de acordo com Araújo (2005):
Como a psicologia não estuda um objeto diferente do objeto das ciências naturais, mas apenas a mesma experiência de um outro ponto de vista, seus métodos de investigação também não podem diferir. A psicologia vai se servir, portanto, dos dois principais métodos utilizados pelas ciências da natureza: o experimento e a observação. O experimento consiste na interferência proposital (manipulação) do pesquisador sobre o início, a duração e o modo de apresentação dos fenômenos investigados (como na física, na química e na fisiologia). A observação propriamente dita refere-se à mera apreensão de fenômenos ou objetos, sem que haja qualquer interferência por parte do observador (como na botânica, na anatomia e na astronomia)[3]. (p. 96)
Portanto, Wundt vai compreender experiência mediata como aquela ligada aos objetos (conteúdo objetivo) independentemente da experiência subjetiva e experiência imediata como a investigação do próprio sujeito da experiência. Tais formas de experiência são complementares para o conhecimento da realidade, porém, o objeto da psicologia aqui são as experiências imediatas cujo conteúdo revela processos e não objetos estáveis. (ARAÚJO, 2005).
Ainda sobre as influências do método wundtiano, de acordo com Novella e Huertas (2010) apontam: “Na obra de Kraepelin, cabe advertir também, … a afinidade com o método experimental de Wilhelm Wundt (1932–1920)”. Pereira (2001) analisa que: “Sobre a esteira de Wundt, Kraepelin esperava que a psicologia experimental pudesse vir a fornecer à psiquiatria a ciência de base sobre a qual assentar seus fundamentos, até ali tão incertos.” (p. 126).
Kraepelin nutria uma admiração pelo trabalho de Wundt[4] antes mesmo de conhecê-lo pessoalmente, e relata a influência decisiva dele em sua carreira, pois foi a partir da leitura do texto de Wundt sobre a alma dos animais e alma dos seres que Kraepelin optou pela Psiquiatria. (KRAEPELIN, 2012).
Tal qual um botânico observa e analisa o desenvolvimento das plantas, de sua origem até o estágio final de vida, Kraepelin observará o desenvolvimento dos sofrimentos psíquicos. (KRAEPELIN, 1908):
O importante do nosso diagnóstico consiste, portanto, nisso: que agora podemos, no início da doença, prever seu resultado em um estado característico de fraqueza, da mesma forma que chegamos a certas conclusões prováveis sobre o curso posterior da doença em estupor circular. O prognóstico, no entanto, não é realmente simples. Se a demência praecox é suscetível a uma recuperação completa e permanente respondendo às rígidas demandas da ciência ainda é muito duvidoso, se não impossível de decidir.[5] (p. nd)
Por isso, ele prezava pela minuciosa descrição do comportamento pregresso do paciente antes do primeiro episódio de surto e, posteriormente, a evolução do quadro, a fim de dar objetividade. (PEREIRA, 2001):
Seu método baseava-se na observação e descrição minuciosa dos fenômenos clínicos, buscando delimitar seus agrupamentos típicos e, sobretudo, sua evolução e seu “estado terminal”. A colocação em evidência de formas típicas e constantes de início, evolução e de desfecho de uma determinada constelação patológica é o que permitiria, a seus olhos, precisar a “história natural” daquela doença mental. Esforçava-se, pois, por delimitar o perfil clínico das diferentes entidades mórbidas tanto em termos sincrônicos quanto longitudinais, situando cada uma das patologias em um sistema nosográfico coerente. Essa seria, segundo o projeto kraepeliniano, a etapa nosológica e classificatória inicial, aguardando que os avanços da neuropatologia e da psicologia experimental pudessem dar a explicação científica dos fenômenos psicopatológicos identificados. A hipótese subjacente a esse método era a de que mesmas “enfermidades” deveriam apresentar histórias naturais e desfechos clínicos semelhantes. (p. 127).
Kraepelin é contemporâneo de Paul Broca (1824–1880), primeiro neuroanatomista que consegue relacionar a localização de uma lesão cerebral com a manifestação de um sintoma. Estas ideias da localização estrita no córtex já vinham sendo desenvolvidas na Alemanha, por Franz Joseph Gall (1758–1828), que desenhou um “mapa do cérebro” humano, onde era possível localizar cada uma das chamadas “faculdades psicológicas”. Kraepelin acreditava, então, que estes estudos poderiam lançar luz ao debate da correspondência entre processos neurofisiológicos e processos psicológicos, e isto complementariam seu trabalho. (KRAEPELIN, 1908/2004, p. 87): “Se a doença danifica faculdades mentais (além de seu desaparecimento gradual provocado pela falta de uso das funções psíquicas) e como o faz são questões que necessitam de uma investigação mais aprofundada.”
No entanto, Kraepelin apontava que os estudos até aquele momento não podiam explicar a relação direta entre danos no tecido cerebral com o aparecimento de transtornos tais como a psicose, tão pouco, ele acreditava que isto seria possível:
Além do fato de que a relação real entre alterações no cérebro e anomalias mentais permanece totalmente obscura, os resultados do exame post-mortem continuam a nos deixar totalmente na mão, especialmente para muitas das formas mais fundamentais de loucura. Embora sejamos capazes de entender pelo menos algum sentido dos processos patológicos no cérebro dos paralíticos, certamente carecemos de fatos concretos sobre loucura, e não menos sobre melancolia e frenesi – fatos que uma compreensão fisiológica dos processos que ocorrem no tecido neural poderia nos dar. … Mas, ao mesmo tempo, seria tolice afirmar que o objetivo de encontrar uma base patoanatômica para os transtornos mentais era em si inatingível. (Kraepelin, 1887/2005 p.352)
Portanto, Kraepelin entendia a neurologia, assim como a psicologia e a biologia como ciências auxiliares à psiquiatria. Afirmando os fundamentos de seu mentor Wundt, era crítico do que ambos denominavam “materialismo ingênuo”, onde a ênfase da pesquisa era a correlação anatomopatológica da loucura: “… uma posição de materialismo ingênuo, como fazem vários projetos de pesquisa especificamente médica, e suponha que o trabalho da psicologia e da psiquiatria se esgote na investigação da base física de nossa vida mental.” (p.355)
Porque para ele a relação real entre o cérebro e os processos de adoecimento não estavam bem explicitados pelas pesquisas que dispunham naquele momento, mas não descartava a base biológica para estes transtornos. Por este motivo, ele associou a demência precoce com uma degeneração cerebral inerente ao processo evolutivo da doença, o que não ocorria nos quadros maníacos depressivos. Investigando mesmo o início e desenvolvimento desses quadros, foi possível tecer um diagnóstico diferencial entre a demência precoce e a psicose maníaco depressiva.
Ao passo que Kraepelin criticava o “materialismo ingênuo”, também criticava as correntes psiquiátricas que estavam alicerçadas na base filosófica idealista. E defendia o método de se fazer ciência, calcado na base do positivismo, apontando para a forma moderna de se fazer ciência:
É claro que, para nossos padrões contemporâneos, ambos se abstiveram desde o início de uma investigação verdadeiramente científica de seu objeto, que viram os sintomas psicopáticos como expressões de um ser transcendental que não estava sujeito às leis da natureza e que, portanto, tiveram que veem os sintomas corporais da loucura como irrelevantes e periféricos e apenas vagamente associados aos aspectos-chave de todo o processo. A esterilidade científica[6] de tais pontos de vista é responsável pelo total descrédito em que a psicologia, como fonte desses ensinamentos duvidosos, caiu após a reforma médica de nossa disciplina; até agora, a psicologia especulativa tem sido o único tipo de psicologia disponível. (KRAEPELIN, 1887/2005 p. 355–356)
Pereira (2001) assevera: “Bastante marcante, nesse sentido, é o esforço de Kraepelin para evitar que qualquer interpretação de caráter psicológico viesse a interferir na objetividade do processo descritivo. Era, pois, necessário ater-se estritamente ao plano da experiência e da observação .…”. Aqui, novamente notamos os aspectos fundamentais do método kraepeliniano: a atenção estrita à experiência e ao objeto, tal como preconiza o método da psicologia experimental wundtiana.
Portanto, quando Pereira (2001) destaca as esquivas de Kraepelin às “características psicológicas”, temos que ter em mente que não se trata de toda e qualquer psicologia, mas, mais especificamente, das correntes subjetivistas e interpretativas, pois Kraepelin apostava na psicologia, mas na Psicologia Experimental: “Se é possível avançar para melhores regras de diagnóstico psicopatológico, então devemos ter acesso ao conhecimento que permanece oculto à experiência prática do dia-a-dia. Parece que os métodos investigativos da psicologia experimental são os mais promissores para preencher, pelo menos parcialmente, essas lacunas em nosso conhecimento.” (KRAEPELIN, 1887/2005 p.356).
De acordo com Caponi (2011), a preocupação principal de Kraepelin era estabelecer uma boa anamnese familiar a fim de identificar a hereditariedade do quadro e isto era possível por meio de “uma rotina definitiva, que o estudante deve utilizar diante de seus pacientes” (KRAEPELIN, 1907 apud CAPONI, 2011 p. 835). (CAPONI, 2011):
… o registro de fatores hereditários tem absoluto predomínio sobre as referências aos contextos de vida dos pacientes, nos quais aparecem os sofrimentos psíquicos. Essa rotina metodológica tem quatro momentos ou passos que deverão ser sucessivamente seguidos: (1) a anamnese familiar; (2) a história pessoal do paciente anterior à doença; (3) a anamnese da doença e (4) o status praesens (termo utilizado para designar a descrição das condições do paciente no momento em que chegou à observação médica. (p. 835).
Pela descrição apresentada da metodologia é como se o desenvolvimento da doença e sua degeneração já estivessem inscritas no substrato biológico do ser humano que a desenvolveu. O que garantia a Kraepelin um certo fatalismo, na maneira como lidava com os prognósticos para os casos de demência precoce. (KRAEPELIN, 1908):
Mas melhorias não são nada incomuns, o que na prática pode ser considerado equivalente às curas. Nesses casos, os pacientes sofrem um certo comprometimento de sua atividade mental e emocional e de seu poder de ação, e outros pequenos restos dos sintomas da doença podem talvez ser reconhecidos, mas eles podem ser totalmente capazes de preencher seu antigo lugar em relações simples. Isto é um assunto mais grave que, na maioria desses casos, a melhora é apenas temporária, e que esses pacientes correm grande risco de recaídas mais cedo ou mais tarde, sem qualquer causa particular, e geralmente sofrem lesões mais graves por sua doença[7]. (p. nd)
É o olhar de Kraepelin para o prognóstico, onde ele irá encontrar o principal fator diferencial da demência precoce em relação às outras psicoses. Raciocínio este herdado de Kalhbaum, como apontam Berrios e Hauser (2013) e Shorter (2015).
Como afirmam Berrios e Hauser (2013): “Ele insistiu, no entanto, em seu objetivo de curto prazo de encontrar uma classificação válida. Para fazer isso ele teve que mudar sua visão sobre “essência”, ou seja, que não era uma estrada real para a anatomia, mas apenas para o prognóstico.” (p. 136). Essência no sentido de representar a característica inerente e diferencial a este determinado fenômeno e de ir para além do sintoma aparente, direcionar suas investigações para aquilo que está por trás dos sintomas. De acordo com Vygotsky (1997):
Se o problema fundamental da investigação científica nesta área é a questão da natureza, da essência da enfermidade psíquica, Kraepelin postulou que tal essência das enfermidades psíquicas é precisamente a base do que observamos na clínica como quadro do complexo de sintomas, como o curso e o resultado da afecção dada. (p. 284)
Ao tratar, portanto, as características inerentes como algo fundamental para e própria deste determinado fenômeno ele acaba por apresentar um fator que assume características de essência do fenômeno, no caso de Kraepelin esta essência é dada de forma natural. Como aponta Foucalt (1975):
Se se define a doença mental com os mesmos métodos conceituais que a doença orgânica, se se isolam e se se reúnem os sintomas psicológicos como os sintomas fisiológicos, é porque antes de tudo se considera a doença, mental ou orgânica, como uma essência natural manifestada por sintomas específicos. (p.nd)
Pois, é exatamente o que Kraepelin faz em sua análise sobre a demência precoce, ele toma o fato de que a evolução natural do quadro tende a uma degeneração cerebral –o que não ocorre em um quadro de psicose maníaco depressiva– como a principal e singular característica da demência precoce.
Da Análise Onto-Histórica
A compreensão da ontologia do modelo kraepeliniano, o desvelamento das características inerente a um tipo de sofrimento psíquico –as psicoses– que ele desenvolve são de fundamental importância para nossa análise que se pretende histórica e ontológica do trabalho de Kraepelin. Ele desenvolveu, a partir do modelo wundtiano de ciência, toda a base da psiquiatria moderna. formando, assim, as bases da organização nosográfica em psiquiatria como a medicina vinha fazendo com as outras formas de patologias orgânicas, como aponta FOUCAULT (1975): “Estas análises têm a mesma estrutura conceitual que as da patologia orgânica: em ambas, mesmos métodos para distribuir os sintomas nos grupos patológicos, e para definir as grandes entidades mórbidas.” (p.nd)
Sem cair numa crítica anacrônica, queremos demonstrar que algumas opções teóricas de Kraepelin sofreram grande influência do movimento de desenvolvimento científico que ocorria na Alemanha a partir da base epistemológica kantiana, mas não apenas estas influências, como também as políticas e ideológicas.
Essas influências que estão por trás das formas de classificação kraepeliniana têm também sustentado, até os dias atuais a forma de se fazer diagnósticos psiquiátricos pautados no modelo biomédico: as formas da ciência burguesa, embasadas nos modelos positivistas e neopositivistas no campo filosófico e o modelo individualizante e biologizante de compreensão do fenômeno do adoecimento e sofrimento psíquico. Formas “assépticas”, no sentido de não se considerar suas raízes sociais e históricas que tratam o fenômeno do adoecimento psíquico como qualquer outro fenômeno natural com seu curso e desenvolvimentos próprios independente.
Por esta razão, de acordo com BERRIOS & HAUSER (2013)
A Psiquiatria ainda vive em um mundo kraepeliniano e os estudos sobre a obra de Kraepelin são, por conseguintes, a‑histórico. … No entanto, Kraepelin viveu e escreveu durante um período importante da história intelectual da Europa e sua obra só pode ser entendida neste contexto. (p. 126)
Mas, o que se compreende por história para se dizer que seus estudos são “a‑históricos?”
Berrious e Hauser, na citação acima, já nos dão as pistas para o entendimento da teoria kraepeliniana a partir de seu contexto social e histórico. Então, para tentar responder a esta questão e introduzir nossa análise aos fundamentos de Kraepelin, tomaremos dois caminhos complementares: o primeiro é a nossa compreensão sobre o que é história a partir do nosso referencial teórico; a segunda reside no modelo de ciência em que se pautava Kraepelin e como este modelo embasa a ideia de uma teoria “a‑histórica” e suas implicações nas práticas em saúde mental.
A tradição marxista, pois, compreende a história como o processo de acúmulo de desenvolvimento das forças produtivas da sociedade, da coletividade humana, cujos conhecimentos e os produtos advindos desse desenvolvimento é transmitido culturalmente de geração após geração até os dias presentes. A história é também criação, a partir das bases materiais já existentes, ela modifica a atividade já existente e a constrói de forma nova, um processo contínuo, teleológico, de produção e reprodução da coletividade humana. (MARX & ENGELS, 2015):
A história nada mais é do que o suceder-se de gerações distintas, em que cada uma delas explora os materiais, os capitais e a força de produção a ela transmitidas pelas gerações anteriores; portanto, por um lado ela continua a atividade anterior sob condições totalmente alteradas e, por outro, modifica com uma atividade completamente diferente as antigas condições … . (p. nd)
A história, então, é a história das relações humanas com a natureza, a história está encarnada na história do próprio desenvolvimento da humanidade e em suas construções sociais, culturais, em suas instituições que garantem a produção e reprodução da vida.
Neste sentido, Vygotski (1995) explicita a intrínseca relação entre a história e sociedade: “… a simples verdade de que o desenvolvimento histórico é o desenvolvimento da sociedade humana e não do puro espírito humano, que o espírito se desenvolveu ao mesmo tempo que se desenvolveu a sociedade.” (p. 27). Portanto, o espírito, a ideia, a consciência humana se desenvolve em conjunto com o desenvolvimento da sociedade humana, ele é condição, é fruto dos nexos internos do trabalho, o espírito humano é uma construção.
Desta forma, é imprescindível transcender o debate do campo das ideias, ou seja, não se pode tratá-las como se fossem independentes da materialidade de onde emergem. A história da razão é antes de tudo a História do processo de acúmulo histórico de conhecimento produzido por homens e mulheres a partir do desenvolvimento de suas forças produtivas. Nesse sentido, vale retomar a célebre frase de MARX (2015) acerca da História: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado.” (p. 335)
História é processo, fruto de um modo de organização social, em constante movimento e mudanças, embora a construção da atualidade se dê sob os ombros ou escombros do passado. É sob esta ótica, ou seja, é esta condição de agora, que nos permite olhar para o passado e analisar as condições objetivas e materiais em que Kraepelin constrói sua teoria. Isto inclui as influências epistemológicas, mas também as condições políticas e sociais.
De acordo com Tonet (2013):
Pretendemos mostrar que a justa compreensão da problemática do conhecimento implica que este seja tratado sempre em sua articulação íntima com o conjunto do processo histórico e social, permitindo, assim, compreender a sua vinculação, mesmo que indireta, com determinados interesses sociais.
Vale enfatizar que não se trata de desconhecer, negar, desqualificar ou menosprezar os ganhos obtidos a partir dos outros paradigmas. Trata-se de compreender cada um deles em sua configuração histórica e social; compreender sua origem, a sua natureza e a função que cada um deles exerceu e exerce na reprodução do ser social. (p. 10–11)
Portanto, analisar os fatores históricos e sociais para a compreensão de um modelo teórico, como o fazemos aqui com o modelo kraepeliniano, é essencial para desvelarmos, em última instância, sua concepção do que é o ser humano –sua ontologia– encarnada na tradição filosófica a que Kraepelin representa: o positivismo alemão.
Embora Kraepelin se afirme “ateórico”, temos apresentado as influências teórico-filosóficas que seu modelo sofreu, dando ênfase aqui às ideias de Wundt. Num esforço de apresentar suas bases epistemológicas, históricas e sociais, buscamos descaracterizar a noção de um modelo atemporal e sem visões ideológicas. O trabalho de Kraepelin, pois, não é somente historicamente datada, mas como demonstram BERRIOS & HAUSER (2013) ele é também politicamente influenciada pela sociedade alemã governada por Bismarck:
A política bismarckiana invadia até mesmo o debate científico. A luta entre os localizacionistas (por exemplo, Hitzing e Fritsch) ocorreu em tal contexto. O sucesso dos primeiros deveu-se menos às forças científicas (o “experimento crucial” ainda não era possível no momento) do que ao fato de que ela refletia o rigor da cultura bismarckiana. … Kraepelin foi um localizacionista convicto e dependeu do sucesso desta teoria. (p. 129).
O próprio caminho que Kraepelin percorre, caminhos epistemológicos –kantinano– e de as influências do método wundtiano se alinham aos ideias positivistas de se fazer ciência, ideias e métodos que ascendiam naquele momento histórico.
É interessante notar como Wundt importa a metodologia de observação da natureza para a dos fenômenos psíquicos. Vejamos, primeiro, a descrição que TONET (2013) faz acerca da metodologia positivista e, depois, comparemos com a wundtiano.
O que é o real? A resposta é clara e inequívoca: apenas aquilo que pode ser captado pelos sentidos. Pretender que exista algo que faça parte da realidade objetiva, mas que somente possa ser capturado pela razão, seria candidatar-se a todo tipo de extravio. Para evitar esses extravios era preciso ater-se à realidade empírica. (p.37)
E o que Wundt dirá a respeito da Psicologia e sobre a metodologia de investigação de seus fenômenos? De acordo com ARAÚJO (2005):
A Psicologia é uma ciência empírica cujo objeto de estudo é a experiência imediata. … toda experiência pode ser analisada pelo seu conteúdo objetivo (experiência imediata) ou subjetivo (experiência mediata). No primeiro caso, a ênfase recai sobre os objetos da experiência (mundo externo), pensados independentemente do sujeito da experiência, enquanto, no segundo caso, investiga-se o próprio sujeito da experiência (mundo interno) em sua relação com os conteúdos da experiência. (p.94)
O que analogamente fará Kraepelin com a psiquiatria, pois ele entendia, assim como Wundt, que a ciência só era possível a partir da análise e descrição do fenômeno que era passível de ser captado pelos órgãos do sentido, evitando o que Tonet acima denominou “extravios”.
No entanto, o pensamento e o fazer científico, não são coisas que pairam, que estão descoladas da história e da sociedade, pelo contrário, são frutos de seu tempo histórico, de sua sociedade e expressa a dinâmica dessa sociedade, interesses políticos e etc. Ainda que se queira neutra, ainda que se ache passível de abstrair-se de toda subjetividade, a ciência é fruto do pensamento de mulheres e homens que a produzem e, consequentemente, está inscrita social e historicamente em seu tempo. (TONET, 2013 p. 17): “Porém, de novo, são os indivíduos que elaboram teorias, explicações e concepções de mundo. Ao elaborarem suas teorias, porém, os indivíduos expressam, ao nível teórico, de modo consciente ou não, os interesses mais profundos das classes sociais “.
Assim, retomando à questão que nos colocamos no início deste tópico, pretendemos ter demonstrado que não se pode falar em uma teoria “a‑histórica” na medida em que compreendemos que, uma teoria é expressão do conhecimento da realidade de um objeto em determinado tempo histórico e que, a compreensão do real perpassa necessariamente a compreensão desse real em sua totalidade, ou seja do objeto em sua relação com a realidade. E, o sujeito cognoscente está inserido nessa realidade histórica e social, sua capacidade de conhecimento, a teoria e método dos quais lançam mão são inscritos também em um tempo histórico e não podemos ignorar estes determinantes.
A pseudoconcreticidade e a ciência do imediatismo
O que se deve destacar é que, o método kraepeliniano, baseado na introspecção de Wundt, visa a estudar um fenômeno a partir de sua forma imediata, seria a forma de se estudar o objeto de forma mais pura ou objetiva. E, a partir das observações feitas sobre o fenômeno, descreve-se como este objeto se apresenta e se desenvolve ao longo do período de observação, não se extrai, portanto, uma teoria sobre o objeto estudado.
Assim, na tradição marxistaa, a investigação científica tem por objetivo (NETTO, 2011 p.22): “… indo além da aparência, imediata e empírica –por onde necessariamente se inicia o conhecimento, sendo esta aparência um nível da realidade e, portanto algo importante e não descartável–, é apreender a essência (ou seja: a estrutura e a dinâmica) do objeto.” .
Neste sentido, Vygotsky (1997) afirma:
Quem julga as coisas só por suas manifestações causais, o faz erroneamente, é inevitável que chegue a representar de modo falso a realidade que estuda e a dar indicações erradas sobre como atuar sobre esta realidade. … O que sucede é que a ciência estuda os vínculos, as dependências, as relações que se encontram na base da realidade, que existem entre as coisas.[8] (p. 282)
E deve produzir uma teoria sobre o fenômeno estudado que apreenda o movimento real do objeto estudado. (NETTO, 2011):
A teoria não se reduz ao exame sistemático das formas dadas de um objeto, com o pesquisador descrevendo‑o detalhadamente e construindo modelos explicativos para dar conta –à base de hipóteses que apontam para a relação causa/efeito– de seu movimento visível, tal como ocorre nos procedimentos da tradição empirista e/ou positivista. (p. 20).
Ora, teoria e método não são coisas distintas entre si, mas método é produto das elaborações teórico-científicas. Assim, a apreensão do fenômeno perpassa necessariamente a construção teórica sobre o fenômeno de modo a apreender a dinâmica e realidade deste fenômeno..
Como afirmamos anteriormente, Kraepelin nos apresenta uma consistente descrição de relações de causa e efeito sobre a expressão dos sintomas da demência precoce, desvelando assim um dos aspectos do movimento do fenômeno. Como aponta Vygotsky (1997)
Kraepelin foi o primeiro em criar uma sistematização das enfermidades psíquicas, que converteu a manifestação da enfermidade e seus sintomas apenas em indícios, em exteriorizações, por trás das quais se ocultava o verdadeiro processo patológico, que está determinado, não somente pelas manifestação da enfermidade em um momento dado, como também, por sua origem, curso, resultado clínico, marcas anatômicas e outros elementos que, tomados em conjunto, criam o quadro completo da autêntica forma patológica.[9] (p. 280).
De todo modo, o que, estamos tratando como a essência da demência precoce, na teoria kraepeliniana, aquilo que a distingue de outras psicoses, ainda que seja pautada na realidade e materialidade da doença –processo de degeneração cerebral–, não responde a questões importantes sobre o fenômeno: “O que, então, seria a causa dessa degeneração? Por quais motivos as pessoas expressam tal forma de sofrimento psíquico com estes sintomas? E como adquire? Por que seu desenvolvimento provoca um tipo de degeneração cerebral?”
Por isso é fundamental conhecer o objeto de estudo em sua totalidade, não apenas um dos aspectos de sua realidade, como o faz Kraepelin no caso da “demência precoce”. E para que seja possível essa apreensão da totalidade do fenômeno é necessário transcender o campo das aparências, transcender o campo do imediatamente dado, romper com o “mundo da pseudoconcreticidade” e analisar as determinações sociais e históricas do objeto. Neste sentido, reiteramos, as análises kraepelinianas conseguem apreender apenas parte da essência do fenômeno, pois a aparência ao mesmo tempo que revela esconde sua essência.
É isto que Kosik (1976) denomina “o mundo da pseudoconcreticidade”:
O complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosfera comum da vida humana, que, com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na consciência dos indivíduos agentes, assumindo um aspecto independente e natural, constitui o mundo da pseudoconcreticidade. A ele pertencem: –o mundo dos fenômenos externos que se desenvolvem à superfície dos processos realmente essenciais; –o mundo do tráfico e da manipulação, isto é, da práxis fetichizada dos homens (a qual não coincide com a práxis crítica revolucionária da humanidade); –o mundo das representações comuns, que são projeções dos fenômenos externos na consciência dos homens, produto da práxis fetichizada, formas ideológicas de seu movimento; –o mundo dos objetos fixados, que dão a impressão de ser condições naturais e não são imediatamente reconhecíveis como resultado da atividade social do homem.
O mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de verdade e engano. O seu elemento próprio é o duplo sentido. O fenômeno indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se manifesta no fenômeno, mas só de modo inadequado, parcial ou sob certos ângulos e aspectos. (p. 15)
Ao postular que essência das enfermidades psíquicas em seu curso e em seu resultado, Kraepelin recai exatamente no mundo da pseudoconcreticidade, pois a “essência” que ele pôde apreender é esta essência que Kosik acima denomina inadequada, parcial ou apenas limitada a certos aspectos. É nisto, para nós, em que consiste a crítica de vygotskiana a Kraepelin quando Vygotsky(1997) afirma que: “Kraepelin foi um Darwin da psiquiatria moderna, mas sem a teoria da evolução. … Segundo uma feliz expressão de Goethe, converteu o problema em um postulado[10].” (284). Ou seja, o que é próprio às ciências da natureza, criar uma metodologia de investigação de fenômenos e, a partir de suas observações e experimentos estabelecer as leis de funcionamento de determinado fenômeno, ou seja cria-se axiomas que se tomam por universais. Conforme afirma Duayer (2010):
O positivismo lógico pretendeu desempenhar essa função normativa postulando uma estrutura geral do discurso científico, que, presumidamente, conseguirá isolar pelo exame das ciências naturais paradigmáticas, em particular, a física. Segundo essa prescrição, toda discurso científico apresenta ou deve apresentar uma estrutura hipotético-dedutiva, também conhecida como modelo HD do discurso científico … sob esta ótica, uma teoria nada mais é do que um conjunto de axiomas, incluindo ao menos uma lei geral, igualmente axiomática, conjunto do qual é deduzida uma série de proposições sobre fenômenos observáveis … as teorias são justificadas por sua corroboração pela evidência observacional. (p.61)
Mas, ainda assim, foi neste movimento de investigação das diferenças entre as psicoses que Kraepelin colocou a psiquiatria nos trilhos da modernidade e da investigação científica, abandonando, por um lado, as descrições que tinham por objetivo apenas espelhar o fenômeno, sem qualquer reflexão sobre as relações que este estabelece com outros determinantes, como ele próprio fez relacionando os sintomas com o curso do desenvolvimento das psicoses e seus resultados finais.
Todavia, o exercício intelectual de transpor à teoria a apreensão do fenômeno é tão necessário quanto descrever seus sintomas e o curso do seu desenvolvimento. “Captar o fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como a coisa em si se manifesta naquele fenômeno, e como ao mesmo tempo nele se esconde. Compreender o fenômeno é atingir a essência.” (KOSIK, 1976 p.16) A este trabalho se deve pôr a ciência para apreender a realidade, que é a unidade entre fenômeno e essência.
O exercício do conhecimento é também o exercício de construir uma teoria sobre o objeto que se estuda. Porque, “Como a essência –ao contrário dos fenômenos– não se manifesta diretamente, e desde que o fundamento oculto das coisas deve ser descoberto mediante uma atividade peculiar, tem de existir a ciência e a filosofia.” (KOSIK, 1976 p.17)
A ciência, pois, existe justamente para apreender e explicar os fenômenos do mundo, compartilhar o conhecimento acerca do fenômeno apreendido por meio da teoria, a fim de produzir condições objetivas e materiais que possibilitem a novas intervenções no meio, cada vez mais adequadas, em última instância, transformar a realidade:
Porque se a ciência não se orienta para o conhecimento mais adequado possível da realidade existente em si, se ela não se esforça para descobrir com seus métodos cada vez mais aperfeiçoados essas novas verdades, que necessariamente são fundadas também em termos ontológicos e que aprofundam e multiplicam os conhecimentos ontológicos, então sua atividade se reduz, em última análise, a sustentar a práxis no sentido imediato. (LUKÁCS, 2012 p. 58)
E, neste sentido, a teoria deve expressar, portanto, a captação da realidade do fenômeno, explicitar suas raízes, sua gênese e suas relações para além do objeto propriamente dito, principalmente, compreender que o fenômeno é um todo complexo e multideterminado que não se encerra em si mesmo. É fundamental ir além da aparência, é imprescindível conhecer a essência do fenômeno e suas determinações objetivas e materiais, sociais e históricas para atuar/construir caminhos de atuação que visem a solucionar/transformar o problema posto na pesquisa. A teoria kraepeliniana transformou as relações da psiquiatria com o fenômeno das psicoses, mas ainda assim não pôde transcender o “mundo da pseudoconcreticidade”, pois enraíza-se na práxis fetichizada.
Conclusão
A apreensão das influências tanto política quanto teóricas dos estudos de Kraepelin nos ajuda a desvelar os fundamentos ontológicos do modelo kraepeliniano e, para tanto, citamos as influência do arcabouço teórico-metodológico wundditianos e da política bismarckiana, como também, do movimento intelectual –o positivismo. Neste sentido, a compreensão do objeto de estudo –as psicoses, por exemplo– à maneira como se concebe, nas ciências naturais, um objeto de estudo, ou seja, como um objeto estável e independente de sua relação com o meio e dos afetos de quem manifesta os sintomas, o objeto visto de forma isolada (ou ao menos a tentativa de isolar este objeto), evidencia a ideia, ainda corrente, de que as psicoses são manifestações naturais, no sentido de que já em sua raiz, em sua gênese está fadada ao desenrolar de seu desenvolvimento sem que se possa evitar. A ideia de desenvolvimento patológico aí expressa, reforçam e alimentam as teorias da hereditariedade e de fatores genéticos como determinantes no desenvolvimento dessas patologias.
Os escritos de Kraepelin, incluindo o de sua maturidade, se apresentam de modo a correlacionar causa — correspondência anatômica –e efeito– sintomas manifestos, mas estas não são redutíveis uma à outra, mas mantém sua compreensão naturalista das unidades de doenças. Porém, esta correlação, quando existente, corresponde a apenas um dos aspectos da realidade do objeto, a realidade imediata e empírica, mas não é capaz de apreender sua essência, que é a estrutura e a dinâmica do objeto. E, grosso modo, este nem é objetivo de suas investigações, seu trabalho visava a solucionar um problema, a ter uma função prática e manipular o meio, a partir de seu conhecimento.
(A ciência positivista) Estava voltado para a transformação da natureza com o intuito de dominá-la e de colocá-la a serviço dos interesses humanos. Por isso mesmo, ele não poderia estar direcionado à busca da essência das coisas, mas à apreensão daquelas qualidades que pudessem ser submetidas à mensuração e à quantificação. (TONET, 2013 p.36–37)
Perfeitamente alinhado com os ideais de sociedade e de ciência de sua época, Kraepelin tece formas de agir na realidade, de manipular esta realidade focado na aplicabilidade prática da ciência e com isso, soluciona uma das questões mais importantes para a psiquiatria de sua época: o diagnóstico diferencial das psicoses. Ele próprio relata em seu livro de memórias (KRAEPELIN, 2012), o trabalho de observação e medição do tempo de duração das crises psicóticas, o intervalo entre uma e outra crise, metodologia que ele adotava nos anos de trabalho no laboratório de Wundt.
Contudo, todo seu percurso de pesquisa nos demonstra a sua opção pelo modelo hegemônico da época de se fazer pesquisa, onde os fenômenos humanos são tratados de forma isolada e sem qualquer relação com seu meio, o que demonstra a noção implícita de que ser humano é ser natural que, embora dotado de razão que nos diferencia de outras espécies animais, ainda assim é lido, aos olhos do positivismo, como um ser cuja natureza é biológica e não histórica, cujo biológico, apesar da razão, ainda é o que determina não apenas o desenvolvimento de patologias, mas a própria razão –consciência– é interpretada como fruto da hereditariedade e não da relação com o meio.
Desta forma, a apreensão da ontologia, das bases epistemológicas de Kraepelin é fundamental para entendermos que seu modelo de psiquiatria está calcado em uma concepção de ser humano e sociedade, historicamente datada, alinhada com os ideais conservadores da sua época. Não à toa, as ideias kraepelinianas são retomadas, agora, a partir da década de setenta do século xx, e na primeira década do século xxi aliadas ao recrudescimento do conservadorismo, sob o debate e a justificativa da demanda por uma ciência experimental.
Ora, não podemos ser ingênuas e não encarar que a ciência é feita por disputas internas de modos diferentes de olhar para o mesmo fenômeno É imprescindível, pois, apreender o debate das ciências, inscrito dentro do debate da luta de classes.
… para a nova classe dominante em ascensão, para a burguesia, o desenvolvimento irrestrito das ciências, sobretudo das ciências naturais, era uma questão vital. Ela jamais teria se conformado com alguma resolução da Igreja no sentido de que os novos conhecimentos não deveriam ser utilizados para melhor dominar as forças da natureza. Por essa razão, a atitude diante da objetividade real, diante da questão de se as verdades das ciências naturais reproduzem efetivamente a realidade objetiva ou apenas possibilitam a sua manipulação prática, domina a filosofia burguesa desde os dias de Belarmino até hoje, determinando sua posição em todos os problemas ontológicos. (LUKÁCS, 2012 p. 48)
A análise onto-histórica do modelo kraepeliniano é uma das etapas necessária para o enfrentamento das formas hegemônicas de se fazer psiquiatria que, em última instância, como tentamos demonstrar, estão aliadas a uma determinada compreensão de ser humano, ratificando uma determinada forma de produção e reprodução social a fim de sua manutenção e conservação. Não tratamos, contudo, de invalidar o trabalho ímpar de Kraepelin, mas de interpretá-lo a partir de novas bases, a partir das bases da Ontologia do Ser Social, bem como, apontar caminhos teóricos para sua superação.
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Notas
- Até os dias atuais é possível encontrar nos currículos didáticos dos cursos acadêmicos de formação em Psicologia e especialização em Psiquiatria as seguintes divisões: Psicopatologia Psiquiátrica e Psicopatologia Psicanalítica. ↑
- Grifo nosso. ↑
- Grifo nosso. Nosso grifo aqui visa a, justamente, apontar as semelhanças no método wundtiano e, como vimos demonstrando ao longo deste trabalho, no método kraepeliniano (que pode ser observado no grifo anterior na citação de Kraepelin), pois ambos buscavam a descrição do fenômeno aparente, sem a interferência das interpretações e os sensações descritas pelos pacientes, ou seja, sem a interferência da subjetividade. Neste sentido, Kraepelin parte dos estudos dos sintomas aparentes da demência precoce, do que se podia observar no curso de sua evolução. ↑
- A relação entre Kraepelin e Wundt cabe um trabalho à parte, por hora apenas ilustrado nesta passagem, mas o que nos interessa apresentar aqui é a influência do método wundtiano na psiquiatria kraepeliniana. ↑
- Tradução nossa. ↑
- Grifamos esta passagem, pois ela demonstra que Kraepelin, ao considerar os métodos utilizados pelas ciências materialistas e idealista estéreis de cientificidade, entrelinhas aponta que considera científico uma outra metodologia, como vimos afirmando neste trabalho, o modelo positivista. ↑
- Tradução nossa. ↑
- Tradução nossa. ↑
- Tradução nossa. ↑
- Tradução nossa. ↑